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Sarosh
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Interlúdio - Sarosh - Página 2 Empty Re: Interlúdio - Sarosh

Qua Ago 08, 2018 11:21 am
Sorriu ao ouvir a segunda voz. Para ela, respondeu.

- A voz da decisão, finalmente. A saúdo Neferu, e em virtude de vossa posição, abraço a decisão.

- Saibas apenas que Osíris é um Filho de Laza e de tal modo, a desavença plantada pelos seus para com ele se estende a nós, irmãos, e ao próprio Rei da Noite. Jamais esqueçam-se disto.

Caminhou, lateralmente, com os olhos escuros e profundos a fitar Nakthorheb.

- Que suas ações sejam melhores que as palavras. Não me decepcione.

Não aguardou resposta, se encaminhou para a saída. Havia muito a ser feito. Buscaria Khetamon nas imediações do decadente templo.
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Qua Ago 08, 2018 11:31 am
Não aguardou. Mas a resposta veio. Era a voz de Neferu.

- Osíris não é Filho de Laza. Osíris rejeita qualquer vínculo com a sua natureza, e isto inclui sua Família. Se vocês vencerem, aprenderá isso, Sarosh. Eu aceitaria um acordo contigo se fosse tu a representar a Casa da Escuridão em Khemet, pois por ti tenho estima. Osíris trairá a Laza e a tua Família, em busca de uma iluminação que nunca virá, pois ignorar a Besta não é o bastante para controlá-la. E trairá Khemet no processo. E não haverá nada para que a Casa da Tempestade ou a Casa da Escuridão exerça poder e liderança.

Pausa.

- Mas, sempre e somente, no cenário em que vocês vencem.
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Qui Ago 09, 2018 8:16 am
O Arauto do Abismo interrompeu seu caminhar. Estava, ainda, no salão envelhecido que era a morada da Corte de Fogo. As palavras de Neferu ecoaram em sua mente e reverberaram junto às memórias latentes de seu caminhar no tempo através dos magnânimos poderes de Ilyas. Uma palavra o fez conter os passos.

Traição.

Teria ela, Neferu, visualizado uma possibilidade? Ou apenas analisava o decorrer dos fatos a partir de sua ótica particular? Sabia Sarosh das inclinações místicas da Tempestade e, por isso - experimentado o que experimentou - duvidar das capacidades de seus tios não lhe era cabível. Assim como tomar como verdade um vislumbre ou possibilidade indicada por alguém com interesses particulares não lhe seria aceitável.

Ainda assim, o possível sempre o assustaria. Uma traição entre os seus o abalaria profundamente. Sarosh era um Arauto da Guerra, estava pronto para destruir e ser destruído. Ver os seus perecerem sob a lâmina inimiga era um fardo sustentável. Suportar que um irmão cometesse traição para com a sua família era uma outra e assustadora vertente.

Lembrou-se de Mancheaka e Amarantha. Era possível, afinal. Era terrivelmente possível.


A respondeu, em alto e bom som.


- Não avaliarei a validade de tuas palavras. Talvez, tenhas razão, Neferu. Contudo, como disse ao vosso irmão que ousou avaliar como uma falha a escolha de meu Pai, eu vos digo:

- Talvez seja exatamente isso que ele viu ao escolhê-lo. Talvez Laza o tenha escolhido para ser exatamente o que é. Isto, prima, não é uma falha. Isto é a vontade do Criador e seus planos pertencem somente a ele.


Lembrou-se de seus sentimentos por Amir. Do vislumbre de um futuro longínquo no qual a sua voz o retirava da escuridão. Estava certo. Desta vez, sabia que estava certo.

- À nós, filhos, cabe cumprir o nosso papel. Eu não preciso dizer isso a vós, Neferu, que representa a face de Ningishzida. Assim como não preciso avaliar as palavras lascivas de Nakthorheb, a Face Guerreira. Igualmente os demais que nos ouvem, aqueles que representam os demais aspectos da Tempestade. Vocês cumprem o que lhes cabem e nós, filhos de Laza, faremos o mesmo.

- Em respeito ao aviso, Neferu, eu farei uma última ação antes de nossa Guerra. Aguarde minha resposta ao cair da terceira noite. Se ela não cumprir o propósito esperado, nos encontraremos no campo de batalha e seremos nós, os filhos, a destruir e perecer em nome de pais que se tornarão cada vez mais ausentes.


Caminhou deixando o Templo, seus pés descalços tocavam a areia enquanto a sua mente vagava pelas possibilidades. Ao vislumbrar Khetamon no exterior daquele local, o silêncio se perpetuou e antes que o jovem pudesse empregar suas habilidades, seu corpo fora dragado pela escuridão que transbordava dos olhos escuros de Daharius Sarosh.

Retornariam aos domínios de Osíris.
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Qui Ago 09, 2018 8:48 am
Viajou, com presteza e profundo comando, pelo Abismo. Ignorou as vozes que, com frequência, buscavam retirá-lo da sua rota. Sarosh tinha pressa. Khetamon o acompanhava, e Sarosh não deixou de notar duas coisas. Ainda que o Filho de Osiris tivesse uma maestria interessante no controle da Escuridão, parecia rejeitar, ao mesmo tempo, tal controle. Era como se aquilo o exasperasse, logo aquele Dom, o maior dentre todos os da Casa de Laza.

Deixaram o Abismo verticalmente, impulsionados para cima. Sarosh viu-se diante do arquivo pessoal de Osiris. Era um salão de tamanho médio, iluminado somente por pequenas tochas que estavam suspensas nas paredes e pareciam excessivamente firmes. Escavadas nas paredes haviam prateleiras grossas, que suportavam o peso de centenas de tabuletas de argila. Algumas delas estavam espalhadas pelo chão, deixando à vista os intrincados desenhos com os quais Khemet se comunicava. Osiris estava sentado em um bloco de pedra que fazia as vezes de poltrona, com diversas tabuletas sobre as coxas. Murmurava consigo mesmo em sua língua, que Sarosh não compreendia. Parecia absorto, desvinculado da realidade. Ou seriam as palavras ouvidas na Corte de Fogo que influenciavam o olhar de Sarosh?

Ergueu os olhos para observar o irmão recém chegado. Sua expressão era indecifrável.

- Um emissario veio até a minha corte. Sutekh o receberá. Demanda que você viaje até o Norte, para encontrá-lo. Saberás a localização quando beberes do Sangue do Emissario, que te espera no salão principal.
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Qui Ago 09, 2018 1:47 pm
O emissário não era nada impressionante.

Um camponês com olhos repletos de veias avermelhadas, que fitava o teto, imóvel, o corpo retesado. Tinha os dentes travados. Ao redor dele, haviam guardas. Era interessante pensar que Sutekh havia mandado um mensageiro por fora da Corte de Fogo. Sarosh se aproximou e, ainda que impressionado com a situação do pobre homem, para quem o poder de Sutekh parecia insuportável, se aproximou e bebeu de seu pulso magro. O Sangue era comum, humano e, curiosamente, Sarosh não sentiu o ímpeto da Besta, desejando por mais. Era como se aquela Vitae fosse somente um veículo, quase sem sabor ou sem expressão. Um veículo que levou ao seu cérebro a informação do local para onde deveria seguir.

Comandou, e a Escuridão obedeceu. Notou que os guardas pareciam estranhamente habituados aos seus Dons.

Passou pelo Abismo em grande velocidade. Estava silencioso, levemente ondulante. Uma única voz foi ouvida. E a notícia não era boa.

- É morto Khanon.

Não sabia se era impressão sua ou se a voz tinha uma inegável satisfação.

Não teve tempo de pensar. Deixou o Abismo diante de um grande lago. O local era frio e flocos brancos caíam do céu. O chão era um tapete de neve alva. Ao fundo haviam montanhas distantes, igualmente brancas. Sarosh ouvia um som distante, como tambores, que se aproximavam. Diante dele estava Sutekh, sua pele negra contrastando com o branco do local. Tinha um leve fulgor dourado, uma aura divina. Merecia ser adorado, aquele homem. A pele era coberta de tatuagens que dançavam à luz da lua, e os olhos eram dourados com um leve toque de azul, hipnóticos. As nuvens se moviam depressa sobre o local, com ventos fortes que as levavam para longe. Sutekh girou-se, a face bela e altiva encarando Sarosh.

- Ouvirei tuas propostas, sobrinho.
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Qui Ago 09, 2018 8:50 pm
Bebeu do emissário enquanto avaliava a própria decisão tomada após o diálogo com a Corte de Fogo e, em especial, com Neferu.

Era um grande passo a ser dado. A sua proposta modificaria a estrutura política de Khemet de uma forma profunda e irreversível, se fosse levada adiante. Sabia a razão primordial pela qual Laza o havia enviado, afinal, era ele o Avatar da Guerra e todo o contexto se desenhava para o conflito.

Daharius, porém, era o Arauto da Guerra de Nippur contra os profanos e amaldiçoados servos de Mashkan-Shappir. Eles, os infernalistas, precisavam ser destruídos. Havia justiça no ato. A disputa em Khemet era política e, sobretudo, religiosa. Girava em torno de uma crença que não conhecia. Dava-se conta que, em realidade, não detinha conhecimento suficiente sobre o próprio Osíris e seus olhos absortos e distantes da realidade. A guerra, quando vem, traz perdas e dor assim como glória e vitória.

Mas haveria glória em levantar a espada contra os filhos de seu tio? Seria uma vitória ver as cinzas de um de seus primos? Perder um dos seus, talvez perder a própria existência, seria justificável naquela disputa por uma terra que desconhece? Eram muitas questões e uma só resposta: Dever.

Daharius Sarosh era, acima de tudo e apesar de todo o resto, leal. Era leal à Laza, fiel à seus irmãos e dedicado a toda a família. Por isto, faria aquilo que considerava justo e correto.

Adentrou ao abismo e assegurava-se de sua decisão quando a voz ecoou e, em um instante, o despedaçou internamente.


"Meu...irmão?..."

A lágrima rubra escorreu por sua face, ainda no Abismo, ao dar-se conta de que tinha sido O Forte, Khanon-Mer, a assumir o seu posto de general das forças de Nippur contra os inimigos oriundos da Fortaleza da Dor.  Seu irmão teria sido destruído?

O Místico sabia que as vozes atraíam, balbuciavam e desviavam. Provocavam e arrastavam os mais fracos de espírito para a perdição. Mesmo ele,  O Arauto do Abismo, padecia da incerteza e da dor que ela trazia. Seu espírito quebrou-se. A dor lacerante da possibilidade de ter perdido Khanon o tomou e quando o tapete de neve alva se apresentou, logo foi manchado pelo sangue a escorrer de seus olhos.

Ignorou a Tempestade. Seus olhos negros fitavam o vazio das estrelas em busca de respostas. Sua própria sombra desprendeu-se de seu corpo e tremulou, dando lugar à outra. Esta foi envolta nas trevas que escorriam junto as làgrimas do Filho do Rei da Noite e mergulhou no abismo que cerca a todos os lugares. Ela carregava uma pergunta e obteria a resposta de que precisava.

Enviou-a à Laza, buscando a iluminação sobre a dúvida que o consumia além de levar-lhe a sua decisão, que seria dita no exato momento em que fosse proferida à Tempestade do Deserto.

Quando ergueu os olhos, Sutekh já havia dito que o ouviria há algum tempo. Reafirmou, dentro de si, que estava a tomar a decisão acertada. Não arriscaria perdê-lo. Não o faria antes e certamente não permitirá sabendo que a tragédia se confirmou. Residia, em sua face, a mancha escura da lágrima de vitae ressequida.


- Guerra, Tio meu. Morte. Aos meus e aos teus. Aos nossos.

- Foi por isso que deixamos as limitações de Nippur?


Deu um passo à frente. Ignorou a realeza e o poder latente que emanava de Sutekh. Sim, à frente de Sarosh estava um Deus se comparado ao Guerreiro que lhe falava. Ignorou, ainda assim, e segurou-o pelos ombros como se buscasse trazê-lo à realidade.

- Sou mediador de um conflito que desconheço, Sutekh. É claro para mim que as terras são parte do motivo, mas que razões místicas de ambas as partes são o ponto central desta disputa. Teus filhos não falam sobre a fé a qual seguem, assim como Osíris se mantém distante e absorto em sua particular realidade.

- Não pedirei detalhes das razões pelas quais chegamos à este ponto. Chegamos, é apenas isto que importa.

- É preciso que saibas que se a guerra se abater sobre nós haverão mortos de ambos os lados. Pois eu não tolerarei e não suportarei a perda de...de...


Apertou os ombros de Sutekh com uma força avassaladora, sabia que ele resistiria e sairia ileso. Apertava não para ferir a Grande Tempestade, mas na busca tola por uma razão palpável que pudesse ser arrancada de seu corpo "divino".

- A perda de mais um irmão.

- Se a guerra se abater sobre nossas famílias, mataremos uns aos outros indefinidamente. Não haverá perdão ou reconciliação. Não haverá fim para o ciclo de destruição. Se de pé eu restar, caçarei a todos os seus e tenho certeza, pela fibra que vi nos olhos de Nakthorheb, que ele fará o mesmo se o caso for inverso.

- Minhas palavras chegarão ao seu ouvido no exato momento em que chegam aos de meu Pai. Para isto usei de meus dons.


Soltou-o, deu um passo atrás e ergueu o olhar encarando aqueles olhos cintilantes com os seus próprios, escuros e profundos.

- Por isto eu proponho, Sutekh, Grande Tempestade do Deserto. Proponho e apelo para a razão que reside nas areias e no vento.

- Osíris será submetido, como Filho de Laza, à autoridade política de outro em Khemet. Eu assumirei as diretrizes destas terras em seu lugar, mas o manterei sob meu teto e a ele caberá reger o rebanho que o segue, como um pastor espiritual dos seus, daqueles que escolherem seguí-lo. Desta forma, negociarei como Regente de Khemet convosco e com os teus filhos, a Corte de Fogo, termos de convivência pacífica nestas terras. Tua fé, teus templos e teus modos para com os mortais caberão a vós dentro das áreas que lhes competirem.

- A Casa de Laza manterá seu lugar, embora o centro da discussão - Osíris - perca sua influência política. Pois à Laza e Sutekh, e não à Osíris, será destinada Khemet.


Silenciou e aguardou ambas as respostas.
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Sex Ago 10, 2018 5:48 am
- Eu sinto por tua perda, Daharius.

Sutekh encarou brevemente enquanto Sarosh segurava seus ombros. Como previsto, a força de Sarosh era imensa, mas a resistência de Sutekh era ainda maior. Após responder, girou-se em direção à outra parte do lago. Sarosh percebia, agora, os tambores mais altos. Não demorou para que os mortais deixassem o bosque. À frente, vinham os músicos, entoando canções acompanhados de instrumentos. Atrás vinha um cortejo. Era funebre. Quatro corpos estavam envoltos em sudários, carregados por grupos de homens fortes. Depositaram os corpos diante do lago e começaram a estruturar grandes fogueiras com a lenha que era carregada por um majestoso animal que se assemelhava a um touro. Sarosh sentiu o Véu de Sutekh cair sobre ele. Os mortais não os viam.

- Eles encomendam seus mortos. Haverá alguém, do outro lado, para recebê-los. Encomendam em meu nome, que aqui è Jomungandr, a Grande Serpente.

Virou-se em direção a Sarosh.

- Eu o respeito, Daharius. Respeito tua Casa e teu Senhor. Muito me agradou tua fibra moral ao discutir com Nakhtorheb, a quem confiei a tarefa de dialogar contigo. Neferu será punida por sua intromissão. Mas sabia, desde o início, que não haveria acordo possível entre tu e a Corte. Quis testar Nakhtorheb, sua postura. Ninguém melhor para que eu possa avaliar minha cria, nestes estágios iniciais da Jyhad, do que você, o maior dos FIlhos de Laza.

Os homens haviam terminado de montar a fogueira.

- Nenhuma das Famílias compreende tanto a Escuridão como as nossas. Nenhuma compreende a necessidade de que cada coisa esteja em seu lugar, em um equilibrio perpétuo. Há forças que governam nas Trevas, Sarosh, forças que são contidas somente com muito esforço. Se deixadas à propria vontade, devorariam as almas dos vivos e dos mortos. Aqui isto não acontece, pois cada coisa está em seu lugar. Em Khemet isto não é verdadeiro.

As chamas estavam sendo acesas. Brilhavam, na escuridão da noite.

- Nós não falamos de nossa religião com estrangeiros, e isso é inegociável. Saiba, apenas, que o papel de Osiris foi interrompido em razão da ambição desmedida de meu irmão Laza. Osiris é o Rei de Khemet, mas não da Khemet da superfície. Seu papel é governar o Du'at, o Reino dos Mortos, garantindo a passagem tranquila daqueles que se foram, cujas almas serão devoradas por Apophis, caso ninguém intervenha em seu favor. Eu sei disso pois eu combati Apophis, mas meu papel acabou. É hora de meu irmão assumir sua tarefa. Mas sua carne se tornou imortal e sua Besta se agarra à terra, nublando seu julgamento e fazendo-o esquecer de sua missão. Por isso o conflito dentro de Osiris.

As fogueiras foram acesas. Havia júbilo e alegria. Ali a Morte não era um evento triste.

- Nossas casas podem levar Khemet à grandiosidade. Sera o maior Imperio desta terra. Assim farão todos os outros nos locais onde estarão, após a derrocada de Nippur. E estes Impérios se enfrentarão, e será o mesmo com as Famílias. Quando abdicamos de Nippur em nome do nosso desenvolvimento, aceitamos também a guerra como constante, único motor que pode nos retirar da inércia. Esta é a natureza da guerra, Sarosh. Ela nos permite sobreviver e evoluir. Não a tema, não a odeie. Prepare-se para ela, pois homens como você são raros, e se tornarão ainda mais raros no futuro.

Os mortais cantavam cada vez mais alto. Sarosh compreendia somente a palavra Jomungandr.

- É por esta razão que não posso tolerar o reinado de meu irmão. Ele não é apto, é um erro de teu Pai. Não julgo a capacidade de escolha de Laza, afinal tu estás diante de mim, assim como já estiveram Karotos e Khanon-Mer. Mas teu Pai errou em intrometer-se em uma terra sobre a qual desconhece as complexidades.

Sutekh crescia aos olhos de Sarosh. Não por suas respostas, mas literalmente. Parecia que sua estatura aumentava segundo após segundo. Alcançava rapidamente os dois metros de altura. O vento soprava com força e os mortais prestavam atenção.

- A outra razão é simples. Alguém precisa guiar as almas dos mortos no Du'at. E, para isso, Osiris necessita, finalmente, morrer. A Corte de Fogo governará o Egito contigo, Daharius Sarosh, ou com Karotos. Mas não com Osiris. Se não encontrarmos uma solução para este impasse, o Du'at entrará em colapso, e os mortais de Khemet sentirão, e terão medo da morte. E um povo que tem medo da Morte não enfrenta a Vida como se deve. Osiíris, o Deus que morre e retorna, será o exemplo final de que a Morte pode e deve ser superada. Sua destruição inspirará os mortais de Khemet a erguer um Imperio que durará pela eternidade. Pois a Eternidade é a única meta final.

Sutekh tinha dois metros e meio. Sarosh olhava para cima, agora. Mas Sutekh permanecia calmo.

- É esta a minha proposta.

O Véu se levantou, somente para Sutekh. Aconteceu quando ele contava quase quatro metros de altura. Sua pele não era mais negra, mas branca como a neve que cobria a relva. Tinha cabelos avermelhados como sempre, porém mais lisos, e que se moviam sob a força de um vento que não estava mais ali. Sutekh brilhava, o fulgor dourado aumentando de intensidade. Sarosh viu a aura de seu Tio. Fé. Os mortais urravam e se prostravam em adoração, sem se aproximar. Sutekh estava com os braços abertos, pesadas nuvens escuras se amontoavam no céu noturno. Em meio àquela comoção, Sarosh ouviu a voz de seu Criador na distante Nippur.

- É tua a escolha.
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Sex Ago 10, 2018 11:52 pm
De pé, contemplava o seu fracasso.

Nada, nem mesmo a visão dos mortais a adorarem Sutekh em sua grandeza física e espiritual eram tão relevantes quanto a conclusão - tão dura quanto simplista - a qual chegou o segundo Filho de Laza.

Poucas palavras se seguiram após o discurso da Tempestade. Poucas, mas carregadas de significado.


- Nenhum Império alcançará a eternidade, Tio meu. É este o ensinamento que Nippur, a Segunda Cidade, deixa aos que dela se libertaram.

- Em toda a sua sabedoria, é ainda limitado. Não será por muito mais, porém, posso intuir. Me alegro em pensar que todos vós, antigos, logo não serão.

Falava devagar, embargado. Digeria as próprias palavras não por temê-las, mas por se permitir sentir o peso de sua decisão antes de tomá-la uma vez que, após tê-lo feito, não haverá retorno.

- Ainda esta noite perderemos, ambos, para que possamos cumprir nossos papéis. Saibas antes do fim, Sutekh, que o admiro e que serei eu o último daqueles que não são teus filhos a dizer-lhe isso.

- Eu começarei a guerra.


A escuridão o envolveu, fria como um toque da morte e vazia como a perda de um amor. Deixou-o, talvez para nunca mais vê-lo.

O véu de sombras esvoaçou no meio de Khemet. Os passos eram lentos, vacilantes, apoiava-se nas paredes de uma das casas de argila em meio ao corredor arquitetônico belo e bem disposto daquele local. Abaixou-se, como uma criança a procurar abrigo, junto a uma das vielas.

Estava despido de sua altivez e a coragem que nunca lhe faltou era, agora, escassa. Sentou-se no chão arenoso e apertou os joelhos contra o próprio peito. Chorou. Permitiu-se chorar. E as lágrimas rubras lavaram as dúvidas de sua alma. Conforme se esvaíam, brotavam os sentimentos pesados que precisavam ser externados.

Primeiro, sentiu a fúria de Arikel - A Escultora. Sentiu-se furioso por não deter a força necessária para esmagar a cabeça de Sutekh por entre seus dedos e encerrar aquela disputa tão cruel. Sentiu, também, o egoísmo a lhe corroer pela decisão tomada que decidiria tanto e por tanto tempo.

Depois, sentiu-se banhado pela luz prateada da lua que ornamentava o corredor de estrelas - vívidas e estonteantemente belas - acima de sua cabeça. Sentiu, naquele momento, a sabedoria de Malkav a caminhar por seu pensar. Haveria de ser feito e apenas ele carregaria o fardo. O Rei da Noite tenderia a buscar o que não possui e, em tal busca, falharia constantemente. Caberia a ele, o mais distante dos filhos, juntar os pedaços das falhas e moldá-las em um futuro possível para a sua família. Não deveria culpar-se. Não. Era seu este papel.

Foi tomado pela mudança. Era Loz, o Estrangeiro, a impactá-lo com sua presença mutável que fazia com que todas as preocupações estáticas deixassem de existir. Pois tudo mudaria, tudo deixaria de ser para se tornar algo a mais. Ou a menos. Nada permaneceria. Nada duraria. As lágrimas se foram, a fraqueza se foi, a mudança se fez.

Em seguida, o vazio. Compartilhou da ausência de dúvidas, de incertezas e questionamentos sobre o que deveria ser feito. Deveria. Seria. Eram possibilidades e a sua escolha já havia determinado o curso dos acontecimentos. Não. Eles tinham sido determinados muito antes de suas próprias escolhas. Era Ilyas, seu olhar perdido no tempo e seus ensinamentos silenciosos sobre o que foi, o que é e aquilo que será.

Levantou-se, decidido. Não era mais uma criança a procurar abrigo. Era um Rei. Comandaria a mudança necessária e nada - e ninguém - ficaria em seu caminho. Caminhou por entre o povo de Khemet e sentiu os olhares a reverenciá-lo. Havia uma aura de autoridade e comando em seu entorno como jamais houve. Era Ventru, aquele que poderia ter sido seu Pai e que será sempre o reflexo do espelho que jamais poderá ser visto por Daharius Sarosh.

Caminhava e o povo aglomerava-se. As ruas de Khemet, largas e perfeitamente harmônicas se estreitavam no longo corredor formado pelos mortais que o observavam, o tocavam e sussurravam nomes que desconhecia, mas agora entendia profundamente. Olhou sua sombra abaixo de si e viu a grande serpente. Ondulava e deslizava pela terra desértica ao passo do vento - quente e em açoites - atingir o povo e o seu próprio corpo. Era Sutekh, a Tempestade, inflamando o coração dos mortais e o seu próprio em medo e adoração.

Seus olhos percorriam os mortais, um à um. Já contavam centenas a circundá-lo. Sabia, ao encarar cada um daqueles olhares curiosos, que suas almas habitavam cascas perenes. Previa suas mortes. Tocou a cabeça de uma criança e abaixou-se para olhá-la nos olhos. Vinte e seis anos, quatro ciclos e três sóis. Apenas isso. Era Capaddocius, O Sábio, a imbuir-lhe do vislumbre do outro lado.

Viu a todos os mortais, clamando no pós-vida por passagem e segurança. Viu esperança gerada somente por sua decisão.

Decisão. Julgamento. Veredito. Sentiu o ar desértico e quente que não pertencia à Khemet. Era longínquo, seco, violento em sua precisão absoluta. Sentiu-se capaz de julgar e determinar o que virá. Sentiu o peso da mão de Haqim sobre seu ombro, apoiando-o na decisão que iniciaria a Jyhad.

Caminhou por entre os mortais que abriam caminho, entre preces que não lhe pertenciam, e parou diante do Templo de Osíris. Ergueu o olhar e o viu na sacada que se debruçava sobre Khemet revelando-se em beleza, orgulho e fé.

Por fim, o sentiu. A Escuridão e o Vazio. A Sombra e a Realeza. Poderia fazê-lo. Detinha o poder para tal e tomaria o que lhe cabe. Tomaria a dor e a decisão, o fardo e o pesar, pois Laza  habitava o escuro de seus olhos e lhe tornava o Rei da Noite.

As sombras o ergueram de encontro à sacada, lentamente, colocando-o acima dos já incontáveis mortais que os assistiam. Caminhou no ar, apoiado pela escuridão que se estendia do solo abaixo de si até parar diante de Osíris. Estendeu-lhe a mão.

- O que buscas não encontrará nas escrituras, no povo ou no reinado. Sabes disso e clamas pela única saída. Em teus olhos eu posso ver, irmão meu, estás pronto.

Seu olhar alcançou ainda Khetamon a observá-los de outro ponto da sacada. Seu olhar incrédulo estava repleto de - finalmente - paixão pelo que não mais teria. Pobre Criança. À seu lado estava Amir e seu olhar que conferia toda a força da qual Sarosh necessitava. As sombras comandadas por Daharius o envolveram, suaves, e o engoliram, despejando-o para além da vastidão aos pés dos portões de Nippur.

Quando Osíris tomou a sua mão, havia o consentimento em seus olhos. Sarosh o abraçou e sussurrou o que ainda faltava. Estavam suspensos no ar pelas sombras viscosas que abraçavam às suas pernas. Os mortais, admirados, não temiam. Eles sentiam em seu íntimo e natureza que não deveriam temer. Deveriam, apenas, testemunhar.


" Perdoe-o, Osíris, como eu jamais poderei fazer. Perdoe-o pois és melhor que eu. A prisão que ele lhe impôs é terrível e cruel. Compreendo, agora, como se debates nesta casca que não lhe pertence. Perdoe-o, pois a ti não cabem mais os sentimentos desta terra."

Beijou-lhe a face. As sombras deslizaram e circundaram suas mãos, seus pés, sua cintura e seu pescoço. Houve o último sussurro.

" Somente a nós cabe a existência dos nossos. Serei eu, sangue do teu sangue, e não um estrangeiro a libertá-lo. É hora de partir, irmão meu, é hora de ascender ao teu lugar de direito."

Estalos. Eram os tendões e ossos a se partirem. Catorze pedaços se desprenderam diante da multidão abaixo dos Filhos de Laza. Não houve sangue e as cinzas não tomaram o ar. A escuridão lançou as partes de Osíris em direções distintas e nos céus os rastros das estrelas cadentes os acompanharam.

Tudo escureceu e clareou em um instante. Pulsou. O céu iluminou-se em incontáveis estrelas pulsantes e brilhantes que clarearam as faces dos que assistiam. Os mortais abateram-se e choraram. Seu pranto ecoou por toda a Khemet e se estendeu para além dela. Em Nippur - A segunda Cidade, Akkad - A Filha da Guerra, Uruk - A Gloriosa e em Ur - O Coração do Universo, sabia-se que o firmamento perdia uma vida. Os mortais, então, se alegraram pois o sentiram. Sabiam que ele olhava por eles. Experimentavam a sensação de paz que somente ele os trazia pois o firmamento era recompensado com um astro, luminoso e presente para toda a eternidade. Sabiam todos, Sentiam todos.

Não sabiam, porém, em Mash-khan Shappir - A Fortaleza da Dor e em Assur - A Fonte de todo o Mal, pois aos seus não será concedida a dádiva do saber e da esperança.

A terra fértil tornou-se mais vívida. O ar úmido preencheu-se com o cheiro da esperança e os olhos dos mortais inundaram-se de fé. O Ciclo estava quase completo.

Faltava somente um último esforço.

As sombras o abraçaram e o levaram à seu último enfrentamento. Àquele que sentenciaria o início de um fim eterno. Avistou a construção e sua voz ecoou pelas areias e pelo vento, com uma só sentença.


- Nakthorheb, enfrente-me. Assim começa o que jamais terminará. Assim começa a Jyhad.
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Sáb Ago 11, 2018 7:39 am
Antes de deixá-lo, porém, ouviu a última e breve resposta de Sutekh.

- Você precisa conhecer a Eternidade. Qualquer coisa pode ser Eterna.

Afundou, nas sombras, mais uma vez.

O Abismo ria. Ria da dor de Sarosh. O Arauto sempre soube que naquele lugar existiam consciências alienígenas e distantes e por mais que o Clã da Escuridão exercesse seu controle absoluto sobre a matéria da qual era feita o Abismo, frequentemente as consciências que ali viviam tramavam, serviam ou ignoravam, de acordo com suas escolhas. Eram independentes. E, naquele momento, escarneciam da dor de Sarosh, apontando suas falhas e suas inconsistências. Um irmão morto, o outro prestes a morrer, pois o Abismo sabia. Um Senhor ausente e incapaz de mudar seu comportamento, de se tornar o que estava destinado a ser. A única coisa que Sarosh tinha de seu era Kurush-Amir. Mas até mesmo disso o Abismo ria.

Caminhou sozinho, ainda que envolto por mortais que reagiam à sua presença em maneiras diversas. Alguns se afastavam, horrorizados com a substância de Escuridão que cobria seu corpo. Outro, mais inclinados à Fé e ao Místico, superavam o horror natural causado pelo Abismo e tentavam tocar Sarosh. Era odiado e temido, mas também adorado. As lágrimas de Sangue haviam secado, seu rosto estava límpido. No céu, a Lua vigiava seus passos. Havia sentido seus Ancestrais e, em certa maneira, se vinculado a eles ou, ao menos, às ideias que eles representavam. O ar soprava com força, quente, como se uma tempestade de areia se aproximasse. No alto do balcão, vislumbrou Osíris.

E foi lá que aconteceu.

Antes, porém, o olhar de Amir lhe transmitiu serenidade e calma. Amir sabia, intuitivamente, que seu Senhor não tomaria decisões impulsivas. Khetamon, por outro lado, intuiu de imediato o que aconteceria. Tentou opor-se à Sarosh, mas o poder do Antigo era maior que o seu. Foi envolvido pela Escuridão e deixou Khemet. Não sem antes expressar, com fúria no olhar, que não acreditava que o que acontecia era certo ou justo.

Jyhad.

Khemet renasceu naquela noite. Osíris nada disse e nenhuma resistência ofereceu. Seus olhos escuros emanavam gratidão. Quem era Osíris, afinal? Foi um Rei e deveria continuar a sê-lo no Du'at, não tivesse seu ciclo sido interrompido por uma força maior do que a Vida e a Morte. Osíris detestava o Sangue. Jejuava. Osíris era atormentado, noite após noite por sua condição, sem ter a força necessária para encerrar sua própria existência. Osíris sorriu para Sarosh, perdoando-o com o olhar, mas nada falou. Daharius jamais ouviria, novamente, a voz de seu irmão. Mas ouviria, para sempre, os ecos de sua existência, que reverberariam pelo deserto, pelas catacumbas e pelas construções de Khemet.

Algumas coisas, de fato, poderiam passar à Eternidade.

Não foi, porém, sem dor que tudo ocorreu. O coração de Sarosh sangrava profusamente. Havia controlado as lágrimas, mas elas insistiam em molhar seu rosto. Osíris estava suspenso pelas Trevas, tentáculos tentavam desmembrar seu corpo imortal. Era razoavelmente resistente, porém, de modo que Sarosh precisou comandar, com determinação, que fosse feito. Isso abriu uma nova ferida em seu peito, graças ao tempo em que precisou passar encarando os olhos de seu irmão. As feições de Osíris emanavam desconforto e dor mas, acima de tudo, paz.

O Sangue jorrou após o desmembramento, banhando a Terra, espalhando-se como um fluxo sanguíneo pelas raízes. O pênis de Osíris foi lançado ao Nilo, e o rio floresceu, suas águas levariam prosperidade por mais dois mil anos. As estrelas acompanharam cada pedaço de sua alma, que fariam Khemet florescer e reviver. Os mortais gritavam, em júbilo, diante daquela Revelação. Não haveriam de ter medo da Morte, pois seu Deus a havia superado. Duas vezes.

Não esperou, porém, para ser adorado. Envolveu-se em seu manto de Sombras e rumou para o Deserto. O Abismo estava em silêncio, agora.

Viu-se diante do Templo. Fez o seu desafio. E foi atendido.

Alguns minutos depois, Nakhthorheb deixou o local, pela porta da frente. Mas não era somente Nakhthorheb. Caminhou lentamente, o Filho de Sutekh, até que seu corpo pode ser inteiramente visto. Era imenso. Tinha uma altura de três metros e oitenta, os cabelos vermelhos, iguais aos de Sutekh suspensos no ar. O corpo e o caminhar eram régios, o corpo musculoso e perfeitamente proporcionado. Era terrivelmente belo, terrivelmente divino, inumano, primoroso. Tinha uma aura terrível, majestosa e, ao mesmo tempo, extremamente perigosa. O vento respondia à sua presença, soprando com força no Deserto.

E Sarosh sentiu. Sentiu Medo.

Nakhthorheb caminhou, pesadamente como um gigante, até uma distância razoável de Sarosh. Ali, diante do Arauto, estava o Avatar do Deus da Guerra Sutekh, uma monstruosidade repleta de poder, autoconfiança e malícia. Em suas mãos uma cimitarra de pedra escura que, dadas suas dimensões, se assemelhava a uma espada curta. A espada ressonava com um canto baixo e contínuo, que exigia Sangue.

- Cá estou, Filho de Laza.


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Sáb Ago 11, 2018 8:39 am
Era terrível Nakhthorheb, pois era terrível a Jyhad.

O Arauto do Abismo sentiu a aura esmagadora do Filho de Sutekh que o forçava a inanição. Era poder, bruto e avassalador. Era muito, mas ainda assim era insuficiente. Daharius Sarosh despedaçou seus medos e dúvidas junto ao corpo de Osíris. As vontades que o acometiam eram irrelevantes. Havia apenas o dever e este se sobressaía de quaisquer outras sensações. Não perderia, pois já havia perdido muito esta noite.

As pontas de seus dedos enegrecem, tornaram-se viscosas e começaram a gotejar nas areias abaixo de seus pés. Sangue escorria e deslizava por sua pele. Mas era um vitae escuro, espesso, era o abismo. De seus escuros olhos as trevas escorreram  e tomaram o ambiente. O céu estrelado e vívido tornou-se opaco. A luz da própria lua recolheu-se e tornou-se lúgubre.

Se o vento soprava em resposta ao Filho de Sutekh, a escuridão da noite se avolumava na presença do Filho de Laza.

As gotas do líquido escuro tocaram as areias e ergueram-se, revoltas, envolvendo o corpo de Daharius Sarosh. De seu corpo coberto apenas com um saiote negro as placas ganharam forma. Assemelhavam-se à pedras de diamante, definidas e reflexivas. Vislumbrá-las era como ter a certeza de que eram indestrutíveis. O Arauto estava coberto pelo manto de Ahriman, o poder do abismo - profundo e avassalador - que o circundava. Sua fortitude se ergueu, completando a sua proteção.

Continuava a gotejar.

Os pingos de trevas desprendiam-se de seus dedos e as sombras primordiais serpenteavam à sua frente, ganhando forma. Os braços de Ahriman ergueram-se violentos, brotando como se saíssem do âmago da terra, fazendo com que as areias esvoaçassem a seu redor. Eram muitos, eram sobrenaturalmente longos e firmes. Eram, também, aterradores.

Gotejou, uma vez mais.

A última gota da escuridão que escorria de Sarosh prolongou-se para além de sua mão direita. Tornou-se firme como um diamante e escuro como uma obsidiana. Alongou-se e curvou-se, ganhou a forma de uma cimitarra curva na qual as sombras dançavam, incessantemente, sobre o fio cortante que clamava por sangue inimigo.

Nada disse, pois não era necessário. Sabiam, ambos os filhos dos antigos, que cumpririam o seu papel naquela noite decretando o conflito que se abaterá sobre todos os vampiros por toda a eternidade.


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Sáb Ago 11, 2018 9:19 am
Os dois cainitas se encaram intensamente. O calor beira o insuportável, mas Sarosh não o sente, envolvido no frio do Abismo. A entidade que era Nakhthorherb, do alto de sua beleza e Majestade, sorri para o Arauto do Abismo. Eram parecidos, os dois. Nakhthorheb era um guerreiro, uma máquina de matar a serviço da Corte de Fogo. Não dispunha das características nobres de um líder ou de um herói de seu povo. Não. Era pura intenção destrutiva contida em um corpo morto, que havia encontrado em Daharius Sarosh um adversário à altura. Ninguém testemunhava ou testemunharia aquela batalha, a não ser as estrelas cintilantes e a lua cheia.

As Sombras que envolveram Sarosh, porém, pareciam envolver minimamente Nakhthorheb. Em sua pele dourada e divina, pequenos fragmentos de Escuridão passeavam. A forma do General de Sutekh parecia se engrandecer ainda mais, mas a glória e a beleza infinita diminuíam proporcionalmente. Nakhthorheb se contorcia lentamente, os ossos se movendo dentro de seu corpo. A pene escurecia rapidamente. Sarosh ouviu lamentos, era como se um portão fosse aberto, um portão para um local particularmente conhecido. Nakhthorheb grunhiu, e seu majestoso corpo colapsou, engolido por um vórtice escuro que havia surgido do nada. Sarosh sentiu o Abismo, ou algo extremamente semelhante, quase indistinguível.

Somente o vórtice permaneceu, suspenso no ar. Mas, em um dado momento, algo imenso escorregou por aquela abertura que portava a um mundo desconhecido. Era uma Serpente. Uma serpente escura, mas não de pele, e sim por ser formada de um material de Escuridão que, ondulante e constante, formava seu corpo longilíneo, de quase oito metros de comprimento e circunferência igualmente respeitosa. Empertigou-se, diante de Sarosh, como se preparasse um bote com as presas escuras, das quais pingavam uma substância corrosiva desconhecida. Não era física, aquela coisa. Era a expressão do domínio do Ministério de Sutekh sobre a Escuridão Primordial, que existia antes que os Deuses existissem, e respondia pelo nome de Sombra de Apophis.

A Serpente estremeceu e vomitou. Não era líquido, veneno ou bile. Era o Deserto. De suas entranhas fluía o Poder de Sutekh, um turbilhão tempestuoso que assumia a a força das areais escaldantes de Khemet. Destruía objetos, carne e ossos, e enegrecia a areia que distanciava o Arauto do General. Atingiu Sarosh em cheio, envolvendo sua carne morta no calor destrutivo das areias.


Disciplinas de Nakhthorheb:


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Sáb Ago 11, 2018 10:04 am
Não surpreendeu-se com o vórtice e com o abismo a cintilar a pele de Nakthorheb. Eram os Clãs da Tempestade e da Noite, embora o primeiro em menor escala, os únicos a conhecer os mistérios do Abismo. Havia visto e havia ouvido do próprio Sutekh.

Surpreendeu-se sim, com aquilo que fora vomitado. Era terrível, majestoso e brutal. Em sua mente as memórias das monstruosidades derramadas por Mashkan-Shappir se fizeram presentes por um impulso natural, mas logo foram contidas por sua racionalidade e frieza que lhe caracterizavam no campo de batalha.

Sorriu.

Diante dele havia Nakthorheb, A Face de Apophis, O Avatar da Guerra de Sutekh. Sua existência não era profana e ofensiva à todos os outros. Era, sim, um desafio glorioso a ser enfrentado pelo Avatar da Guerra da Casa de Laza.

Sarosh fixou os pés no chão e encarou a criatura diante de si. Era ela uma representante das trevas ancestrais, mas esquecia-se de que era ele o Arauto do Abismo. As sombras o obedeciam, as trevas se curvavam e o abismo atendia ao seu chamado. Era o Místico, Era o Guerreiro. Venceria.

Quando o deserto se projetou contra o Filho de Laza e sua armadura abissal, seu corpo aproveitou-se dos pés fixados com sua sobrenatural força naquele solo e se projetou em um salto por sobre a avalanche de areia corrosiva que o atingiria. Buscava transpor o ataque por cima, ganhando impulso e segurando a espada de trevas em riste, preparando-se para golpear a criatura em sua descida. As sombras esvoaçaram atrás de si e os tentáculos alongaram-se e serpentearam - curiosamente como reflexos menores da criatura que enfrentava - circundando-a para que o seu ataque fosse conjunto, destrutivo e absolutamente decisivo.


Teste de Esquiva:
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Sáb Ago 11, 2018 10:25 am
Testes de Ataque e Esquiva:

Era quente e destrutivo. O Deserto caiu sobre Sarosh com toda a sua fúria, corroendo-lhe a carne e alcançando os ossos em alguns pontos do braço. Rasgou suas vestes e destruiu parte de seus cabelos e de seu nariz. O Arauto, no entanto, passou pela fúria da Tempestade de Sutekh, pronto para atacar seu agressor.
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Sáb Ago 11, 2018 10:50 am
Seu corpo envolto pela armadura abissal atravessou a avalanche de areia corrosiva, sentiu a dor de sua carne consumida e sentiu o cheiro de queimado de seus ossos e cabelos. Era terrível, Nakthorheb, mas era aterrador - também - O Arauto do Abismo.

Cerrou os dentes e apertou a haste da espada com suas mãos sombrias. Lançava-se contra a criatura oriunda do abismo que havia se tornado o Filho de Sutekh com força e decisão. Atrás de si, saltando de seu próprio corpo, as sombras que antes serpenteavam tornaram-se pontiagudas e alongaram-se como lanças. Contavam oito braços de Ahriman fortalecidos através da vontade e do controle do Místico do Abismo. Eram obsidianas reflexivas como diamantes que lacerariam a carne abissal da Serpente Apophis.

Em um último instante o corpo do Guerreiro girou no ar e as sombras engoliram os céus, enegrecendo a vastidão que seria a única a testemunhar aquele embate. A espada sombria em suas mãos rasgou a carne da imensa besta de sua cabeça até o tronco que enrolava-se sobre as areias de Khemet. Não parou por aí. Conforme descia violentamente fazendo com que as trevas rasgassem a existência da Serpente, os tentáculos em forma de lanças negras a atravessavam simultaneamente com força e decisão.

Era, aquele, um duelo dos maiores Avatares da Guerra de seu tempo. Era, aquela, a primeira grande batalha da Jyhad.


Testes Sarosh:
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Sáb Ago 11, 2018 1:03 pm
Ataque e Dano de Sarosh + Absorção de Nakhthorheb:

Sarosh salta, sua espada cortando o ar em direção ao ventre da imensa criatura. A lâmina se aprofunda na densa Escuridão que forma a Serpente, somente para não causar nenhum ferimento. É como se o a violência do ataque do Arauto fosse instantaneamente transferida para alguma outra parte. O mesmo acontece com os ataques acertados pelos tentáculos, ao menos o antepenúltimo e o último. Contudo, a capacidade mística de Nakhthorheb parece se saturar em algum ponto, fazendo com que último tentáculo se aprofunde em sua pele, no local onde Sarosh havia golpeado inicialmente. A serpente emite um grunhido de dor, mas não recua. Prepara o bote e aproveita da proximidade com Sarosh para, novamente, regurgitar seu Hálito da Tempestade.

Uma outra vez o Deserto engole Sarosh. O Arauto do Abismo resiste, seus ossos e cartilagens sendo expostas à fúria destruidora da Prole de Sutekh. Por um breve instante, a Morte Final passa vizinha aos olhos de Daharius Sarosh, uma velha conhecida da qual, não obstante, todos têm medo.

O Arauto sente os pés tocando as areias do Deserto, diante da imensa Serpente que era Nakhthorheb. Seu corpo está exausto, alquebrado. A Serpente desaparece, tornando-se em poeira. Sutekh, O Guerreiro, está diante dele. Mas não é o verdadeiro Sutekh. É apenas mais umas das múltiplas formas divinas assumidas por Nakhthorheb.

O Filho de Sutekh encara Sarosh nos olhos. Havia uma frieza absoluta naquelas íris escuras. Mas havia, também, compaixão. Não pela derrota de Sarosh, longe disso. Compaixão pelo sofrimento que, há milênios, acometia o Arauto do Abismo. Ainda assim, Nakhthorheb era altivo, poderoso. Mas era, antes de tudo, um guerreiro. Estava imensamente satisfeito com o combate. E emanava um profundo respeito por Daharius Sarosh.

- Você não é um Visionário, Sarosh, em razão de uma visão alinhada com o futuro mas que, talvez, jamais se concretizará. És um Rebelde. Você não deve se submeter à Autoridade, mas testá-la, forçá-la à Renovação e ao descobrimento de si mesma. Ouça as minhas palavras. Encontre a si mesmo.


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Sáb Ago 11, 2018 1:57 pm
Era abissal, a criatura que Nakthorheb tornara-se. Havia nele a força das areias do deserto, o calor escandante do vento quente e a profusão de sombras oriundas do abismo. Era admirável, seu oponente.

Daharius Sarosh mantinha-se pé, mas sua armadura sombria escorria pelo seu corpo ensanguentado e ferido. Esvaía-se pelas areias conforme a sua força lhe deixava. A derrota estava à sua frente, trajando um manto bestial da imensa serpente que pertencia à Sutekh. Converteu-se, então, no homem Nakhthorheb.

Os olhos escuros de Daharius enxergavam um Guerreiro diante de si, um majestoso guerreiro que valia o desafio. Estava satisfeito, havia cumprido a sua parte.

Sorriu. Do canto de sua boca o vitae espesso e escuro gotejava, sua voz altiva deixava a sua boca com dificuldades, mas alcançava os ouvidos de seu rival.


- Tens razão, Primo meu. Talvez seja esta a última vez que o chame assim. Haverão novas batalhas no futuro por vir e elas serão cada vez mais duras. Alcançarei os milênios de que já dispõe e, novamente, nos enfrentaremos talvez por outras razões. Nesta noite, não há vergonha em ser derrotado por ti, nobre e poderoso guerreiro.

- O admiro, Nakhthorheb, Filho de Sutekh. És grandioso. Em virtude de tua força, os meus deixarão Khemet e esta caberá somente aos filhos de Set para dominá-la. Até que eu retorne nos séculos por vir e a clame como minha, após derrotá-lo. Assim será, pois a mim coube a decisão.


Sua face entristeceu-se, por um momento. Novamente haveria um fardo somente seu a ser carregado e o Guerreiro diante de si, mesmo vitorioso, não colheria dos louros de sua batalha.

- Assim será, novamente, se a balança for equilibrada. A balança segue em desequilíbrio, Nakhthorheb, e desta forma os teus jamais poderão reinar sobre estas terras. Ele não permitirá.

- Disse ao vosso pai que ainda esta noite ambos perderíamos. É chegada a hora de contrapor a partida de Osíris com a tua própria.


Ergueu, com dificuldades, a mão em direção ao Filho de Sutekh. Dela um vórtice negro abriu-se e nele era possível ver o vazio e sentir o frio da existência dos que lá habitam.

Primeiro, foram as garras. Enormes e negras, a se projetar para fora. Depois, o corpo longilíneo como o de um grande felino que alcançava seis metros. Era escuro como a noite e pegajoso como piche. Era irreconhecível para aquele mundo.  As sombras do próprio Nakhorheb o arrastaram de encontro à criatura, que cravou a mandíbula em seu ombro e o arrastou para o centro do Abismo, onde seria confinado pelos séculos a seguir.



- Sigo o teu conselho, me rebelo contra a derrota e a tua autoridade aqui adquirida em virtude de um futuro melhor para ambas as famílias.


Dirigiu-se à criatura

- Guardião, Leviatã Abissal, o arraste para as profundezas e lá o confine até que a noite de sua libertação se apresente.

- Partas, Grande Guerreiro, com a sensação da vitória e com a certeza de que Khemet pertence aos teus.


O Vórtice fechou-se e com ele a existência do Filho de Set. Daharius Sarosh caiu ao chão arenoso, inconsciente, mas completo em sua tarefa.

E o confronto se encerra sem vitoriosos, pois não há vitória possível na Jyhad.
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Qui Set 13, 2018 4:23 am
"Eu sou Curus, Rei do Mundo, grande rei, rei legítimo, rei de Babilônia, rei da Suméria e de Acade, rei das quatro extremidades da Terra, filho de Cambises, grande rei, rei de Anzã, neto de Curus I, descendente de Teíspes, de uma família que sempre exerceu a realeza!"

Silêncio. Depois, euforia, sons de armas e escudos, de gritos e preces ao novo Rei. Curus.

Daharius Sarosh não presenciou este momento. Dormia enquanto Kurus dava o golpe final em Babilônia, sob a luz da manhã emitida por um sol inclemente.

Mas Daharius Sarosh sonhou. Viu, em percepção, aquele momento. Há muito havia se vinculado àquele território, de tal modo que pouco acontecia sem a sua ciência. Ou sem o seu conhecimento. Os milênios que pesavam em suas costas, porém, o haviam ensinado a ser mais paciente.

Portanto, quando Curus, até então um Rei dos Persas, povo que pagava tributo aos Medos, que eram então os senhores legítimos da Terra Entre os Rios, ou Mesopotâmia, se ergueu em seu combate contra a dominação e a sujeição, conquistando cidade após cidade, território após território, Daharius não fez outra coisa a não ser observar. Era, sim, vinculado aos Medos, povo violento que havia sucedido os ainda mais violentos Assírios. Tinha sido vinculado a estes também. Assistiu, das Sombras, enquanto a Terra Entre Rios era rasgada por conflitos que frequentemente fugiam ao seu controle e abençoada por avanços. Ferro, cobre. Máquinas de combate de alta velocidade. Zigurates imensos, cidades imensas. Às vezes, sonhava com Nippur. Não mais existia, aquela cidade. Sarosh tinha, aliás, cada vez mais dificuldade em lembrar-se do local onde Nippur havia sido erguida. Era como uma névoa que se apossava de suas memórias mas que cobria somente aquela informação.

E então, Curus.

Sarosh havia sonhado com ele, embora não necessariamente com o indivíduo Curus. Sonhou com um grande Rei que unificaria a Planície sob a sua vontade, e que não seria de origem estrangeira, como os Assírios ou parte dos Medos. Das mãos deste Rei se prolongavam vinhas, que cobriam toda quela terra e o mundo para além dela. Portanto, quando Curus começou sua conquista, Daharius esperou. Imaginou, por um microssegundo, que aquele jovem não venceria o poderoso Império. Mas mudou de ideia assim que sonhou de novo. E neste sonho, Curus caminhava ao seu lado e ao lado de Laza, seu Senhor.

Esperou. Mas também agiu.

Tomado pelo desejo e pelo encantamento por Curus, que era além de um grande Rei um homem de rara beleza e elegância, facilitou a estrada do mortal na mesma medida em que a dificultou. Curus sobrepujou cada um dos obstáculos impostos por Sarosh. Kurush-Amir frequentemente caminhava ao lado de seus tropas, escondido pela Escuridão, e informava a Daharius os avanços do homem. Kurush havia se apegado imensamente a Curus. Havia rompido sua aliança com os Medos e passou a apoiar ativamente a rebelião, embora sempre dentro das instruções de Daharius. Kurush-Amir era velho àquela época. Contava mais de dois mil e quinhentos anos. Todos estes passados ao lado de Daharius Sarosh. Kurush era forte, autoritário, irascível às vezes mas perenemente justo, infinitamente justo. Kurush era Leal e o seria por toda a Eternidade.

E então, Curus conquistou a Babilônia. Curus libertou os Hebreus. Curus unificou o Império uma outra vez. Era amado, adorado pelos soldados. Nascia, ali, a Pérsia. O Sonho de Curus que era, também, o Sonho de Daharius Sarosh.

Curus tinha quarenta anos quando se encontraram, pessoalmente, pela primeira vez. Seu filho, Cambises, liderava as últimas campanhas militares de pacificação do território recém conquistado. Ciro descansava. Sarosh segiu até Babilônia, a maior cidade do mundo, coração não de um, mas de sucessivos e poderosos Impérios. Babilônia com seus perfumes, línguas e belezas. Não teve dificuldade para adentrar o Palácio, a sala do Trono onde se encontrava Curus. Mas sabia que sua presença não era uma surpresa. O Rei da Pérsia se voltou para o visitante. Seu olhar, altivo, cruzou com o de Sarosh. Não havia surpresa em seus olhos, mas a mão direita segurava firmemente o cabo da espada.


Interlúdio - Sarosh - Página 2 Ciro_e10

Ciro, O Grande, Rei da Pérsia.
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Sáb Set 15, 2018 9:27 pm
O salão do trono de Ciro, o Grande, tornou-se mais escuro. As tochas tremularam e apagaram-se pois se curvavam diante da escuridão que se aproximava. Seguiu-se uma brisa gélida que congelaria o sangue e extinguiria a coragem dos homens de pouca fibra. Ciro, o Grande, não era um deles. Não ousaria fraquejar.

Primeiro a voz se fez ouvir na escuridão. Ecoou, grave e fascinante em um misto de beleza e temor, por aquelas paredes agora escuras.


- O homem forte conquista a vitória na batalha. O homem sábio conquista o coração dos homens que o seguem. O homem inquieto com aquilo que possui conquista a terra. O homem por maior força, sabedoria e determinação que possua é, ainda sim, conquistado pela morte.

E então se fez ver. Era  alto, longilíneo, com braços e pernas firmes como as de um homem de armas. O cabelo longo e negro, cheio e pesado, caía sobre seus ombros. Os olhos escuros destacavam-se na face contornada por uma espessa barba de igual cor. Daharius Sarosh era o mesmo e, ainda sim, completamente diferente. Era uma força da natureza. Vê-lo era ter a certeza de que algumas coisas não pertencem ao mundano. Contrastava uma imensa e esmagadora presença com passos leves e precisos. Era ágil e predatório como um grande felino, embora caminhasse com parcimônia e em sua face uma expressão imutável e quase indiferente se fizesse presente.

Aproximou-se, ao passo do Rei da Pérsia levar sua mão ao cabo da espada.

- Vislumbrei vossa chegada. Aguardei, pacientemente, quarenta ciclos de tua breve vida para que se tornasse quem és. Dificultei vosso avanço, quando acreditava vencer com facilidade. Permiti vitórias que ergueram vossas expectativas e ânimos. Inspirei a ti, da escuridão, com o desafio cada vez mais crescente.

Estava próximo. Era ligeiramente mais alto e o olhava de cima. Ciro, o Grande, notava a completa indiferença quanto a sua mão que repousava na espada. Daharius Sarosh, a entidade à sua frente, continuou a caminhar em sua direção.

- Eu sou o fim, Curus. Eu sou o início. Eu sou a conquista da vida sobre a morte. Eu sou o que falta a ti conquistar.

Estava diante dele, não mais que há um passo de distância. Os braços mantinham-se baixos e a postura imutável. A sensação dada a Curus era de que aquele homem poderia arrancar-lhe a cabeça a qualquer momento e, ao mesmo tempo, poderia beijar-lhe a face. Era o limiar entre a destruição e a criação. Entre a não-vida e a morte. Sussurrou e tudo pareceu ainda mais escuro naquele local.

- Serás capaz, Curus, o Grande Rei de Pérsia?
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Dom Set 16, 2018 7:37 am
Curus estava calmo. Retirou, lentamente, a mão do cabo da espada. Observava Sarosh com seus olhos escuros e intensos. Era, sim, um mortal, mas um mortal de notáveis capacidades. Daharius sabia, de antemão, que Curus era um homem de ação, e não de palavras, as quais guardava para inspirar suas legiões. Curus estava calmo quando se aproximou de Sarosh e, mesmo mais baixo, buscou olhá-lo de igual para igual. Sua Vitae tinha o perfume da realeza e da coragem. O perfume dos grandes homens, que Daharius sentiu quando conheceu Amir, mas que sentiria por centenas de vezes nas noites que viriam.

- Por fim, a tua presença. A mim não falta conquistar nada. O tributo que ofereci a ti, terras, vidas, palácios e zigurates, todos unificados sob o meu nome e a minha bandeira foi aceito. Cá estás. Eu já conquistei tudo, e a tua presença é a prova disso. Meu tributo foi aceito, o presente que ofereci ao Deus da Escuridão para que ele, do alto de seu trono no Império das Sombras, voltasse seus olhos sobre mim. Carne mortal, frágil e finita. E que, ainda assim, conquistou tudo o que havia para conquistar.

Olhava no fundo dos olhos de Sarosh. Havia uma força naquele homem que não existia em Amir. Uma agressividade monstruosa temperada com um senso de justiça e de saudável superioridade.

- Serei capaz porque já fui capaz. Agora, Daharius Sarosh, meu Ancestral e primeiro dentre os Reis dos Aquemênidas, a escolha cabe somente a ti.

Curus sorria, um sorriso de alegria mas, também, de profundo desafio. Sarosh soube, imediatamente, que Curus jamais se dobraria a ele, não importa o que acontecesse. Mas não era exatamente isto que o tornava fascinante aos olhos de Sarosh?
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Seg Set 17, 2018 10:36 pm
Daharius era um Rei. O primeiro dos Reis daquelas terras. Todos os outros seriam avaliados profundamente para que pudessem ostentar o título.

Imóvel e estoico o ouviu, mediu suas palavras e ações e avaliou sua postura.

Curus era um grande homem e, ano limiar para se tornar grandioso, se limitava à tal. Havia ainda uma última lição a ser aprendida para que aquele homem caminhasse na noite eterna portando o sangue real de Daharius Sarosh. Súbito como o vento, a mão direita do Arauto do Abismo alcançou o pescoço do Rei mortal e, com imensa facilidade, o ergueu do chão com sua sobrenatural força e o trouxe até o alcance direto e próximo dos seus olhos.

Encarava-o com os olhos negros que refletiam a escuridão da noite, a expressão era quase indiferente quando começou a falar. Sussurrava pois sua face estava muito próxima à do homem erguido do chão.


-"A mim não falta conquistar nada"... Tolo!

Lançou-o contra uma parede próxima com força suficiente para quebrar-lhe alguns ossos. Caminhou lateralmente encarando-o enquanto discursava, o local tornou-se ainda mais escuro e frio. Era possível sentir a ausência de vida se prolongar das sombras do salão.

- Terras, homens, riqueza. São todas conquistas fugazes. Apesar de necessárias a nós, Reis da Noite, são nada mais que a afirmação de nosso direito. São insuficientes, Curus.

Aproximou-se do corpo caído e, de cima, continuou a observá-lo e a avançar nas palavras.

- Tua falta de ambição me decepciona. Se acreditas que conquistou tudo que lhe cabe, deves morrer aqui esta noite. Se são estas vossas palavras, não és o homem que carregará meu sangue e minha descendência. Não tolerarei uma criança inerte e desleixada. Acostumada à migalhas mortais.

- O Sangue de Daharius Sarosh é o sangue dos Reis. Pertence àqueles que jamais descansam e àqueles que não reduzem sua ambição ao já conquistado. Pertencem, somente, aos que demonstram seu valor e possuem a ambição para conquistar a eternidade.

- Estás diante da maior das conquistas que podes alcançar enquanto vivo, Curus. Conquiste-a ou pereça.

Estava de pé, no alto de seus um metro e noventa, a observar o homem caído ao chão. Embora alto, não era o porte físico que despertava o medo no coração dos homens. Tudo a seu redor era opaco e sem vida. Por vezes, era possível ver as sombras ondularem sobre seu corpo e seus olhos ganharem uma profundidade escura e sobrenatural. Desafiou, dando-lhe a última das oportunidades.

- Levante-se Curus, Rei de Pérsia. Levante-se e conquiste o seu lugar na longa noite. Ou ajoelhe-se como os miseráveis que acreditam que chegaram ao seu limite e desista. Viva para sempre ao meu lado ou morra por minhas mãos.
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Ter Set 18, 2018 6:05 am
Ciro chocou-se, com violência, na escada que levava ao Trono. Sarosh pode ouvir com nitidez que seu braço se havia fraturado. Diante do Arauto, o Rei, mesmo que por apenas um segundo, encolheu-se de medo. Durou um piscar de olhos. Ciro se levantou, colocando-se diante de Daharius enquanto mantinha o braço esquerdo imobilizado com a mão direita. Não parecia haver mudanças em sua postura, voz ou ações. Continuava régio. Engoliu em seco e tornou a desafiar Daharius com suas palavras. Era frágil fisicamente, era verdade, mas seu espírito parecia inquebrável.

- Acaso um homem pode desejar o que não existe? As fábulas que me foram contadas, as lendas e mitos de meu povo jamais guiaram minha percepção. Conquistei, sim, o que havia para ser conquistado. O que meus olhos viam, o que era expresso em materialidade. Você não existia até minutos atrás. Entretanto, tudo o que existia para mim agora me pertence.

Ciro riu. Caminhou pela sala e passou a discorrer para si mesmo, como se Sarosh inexistisse.

- Fugazes? Terra e riquezas são fugazes? Certamente não conheces o espírito humano. Para os homens, isto é tudo o que há, é o que explica a nossa existência. Tudo o que é criado, tudo o que é discutido só serve a um propósito: o pode puro e simples. Eu alcancei o topo de tal pirâmide, Daharius Sarosh. E você se julga apto a validar as minhas escolhas e a minha ambição. Tenho plena ciência de que minhas ações foram guiadas e orientadas por tuas escolhas mas acredite: eu seria bem sucedido com ou sem você.

- Tua existência, é um fato, me apresenta um mundo que desconheço, cheio de possibilidades e conquistas a serem efetuadas. E isto ativa a minha ambição mais do que qualquer outra coisa. No entanto, há uma diferença fundamental entre nós, ainda que baseada sobre uma igualdade. Tu és imortal, segundo dizes, pois viverá para sempre na sua própria carne. Eu sou imortal pois viverei para todo o sempre nas ideias e nos corações dos homens. Nenhum império que surgirá após minha morte deixará de fazer referência a mim. Eu sou o homem que, partindo do nada, tornou-se Rei do Mundo. Tua opinião não pode mudar isto. Eu viverei para sempre, Daharius, independentemente dos resultados deste encontro.

Deteve-se, novamente, diante de Daharius.

- Se veio aqui exigindo minha humildade e minha submissão, pode retornar às sombras que te servem de abrigo, de onde você observou um homem realizar o que você jamais poderia ter realizado, nem mesmo se mil anos te fossem disponíveis. Não me ajoelharei perante ti. Não negarei minhas conquistas e meu poder. Mate-me, se desejar, e amanhã o império que não é teu, mas que eu te concedi, pois permiti a ti viver em minhas terras ao invés de decretar que meu exército destruísse a ti e aos teus, se desmanchará como um castelo de areia. Mate-me e nada terás. Nem a mim, pois o fato de ter vindo até aqui mostra que me desejas. Nenhum Império, pois nada sobreviverá ao vácuo de poder deixado por mim se eu não decidir como será feita a transição. A escolha é tua. Eu sou maior do que você jamais será, mas posso, novamente, me tornar pequeno para que eu aprenda o que ainda não sei, e para que seja você a ensinar o que preciso saber. Mas não se atreva a dizer que minhas vitórias nada significam. Não se atreva. Teu Sangue é o Sangue de Reis, mas sem Reis que carreguem teu Sangue, ele não significa absolutamente nada.

Permaneceu ali, de pé diante de Sarosh. Ao fundo, do lado de fora, ecoavam os sons do Império Aquemênida.
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Ter Set 18, 2018 7:00 am
Caminhou em direção ao homem. Aproximou-se o suficiente para que o ar de suas palavras chicoteassem em sua face. Falava baixo, mas firme, e o encarava com satisfação no olhar.

- Excelente.

Tocou-lhe o ombro e sorriu.

- Agora, sem o sorriso frouxo que me recebestes e a postura desleixada com a qual esperou que eu o tomasse, és digno de meu sangue.

O ergueu novamente, trazendo o pescoço do Rei de Pérsia de encontro à sua boca, quando complementou. Sorria.

- Não me foram necessários mil anos para conquistar o Império. Bastaram-me quarenta. O fiz através de ti, Curus, aprenda com esta lição.

- Escute-me com atenção, criança. De meus filhos não busco - e não admito - submissão. Deve-me e lhe será cobrado respeito. Contudo, jamais dobre os teus joelhos. Não lhe permito que o faça. Desafie e rebele-se por uma causa maior que os nomes. É por isto, e apenas por isto, que se tornarás meu filho. Todo o resto irreleva, sim, Curus Rei de Pérsia. Pois estas terras e estes homens ser perderão no tempo e o poder, apenas o real poder ao qual eu lhe concederei, durará para sempre.

- Caminhe na eternidade, mas caminhe com sabedoria, pois eu estarei a observá-lo e a testá-lo por mais vezes. De ti, não espero nada mais que o absoluto melhor.


Mordeu o próprio pulso e despejou sangue na boca daquele homem, acelerando a cura da fratura em seu braço. Em seguida, cravou-lhe as presas mantendo o corpo do Rei ainda suspenso. Deu-lhe tempo para uma eventual resposta, pois a aguardava. Em seguida secou-lhe e, quando morto, despejou seu vitae ancestral em sua boca.

Aguardou o levantar-se de sua Cria, daquela a qual esperava tudo.


Última edição por Sarosh em Ter Set 18, 2018 9:33 am, editado 1 vez(es)
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Interlúdio - Sarosh - Página 2 Empty Re: Interlúdio - Sarosh

Ter Set 18, 2018 7:15 am
Ciro não respondeu. Mas sorriu, novamente. Não era um sorriso de escárnio ou de desdém. Era um sorriso estimulado, empolgado com as infinitas possibilidades que se apresentavam diante de seus olhos. Ciro não desafiaria Sarosh. Não desrespeitaria Sarosh. Mas jamais aceitaria, de forma complacente, as palavras de seu Criador. O estimularia, o desafiaria se fosse necessário. Ciro seria o vínculo de Sarosh com a evolução, com o esforço para compreender, com o pensamento afiado e com as respostas rápidas e eficientes. Ciro retiraria Sarosh de sua zona de conforto, que tendia a ser cada vez maios à medida em que a Eternidade passava diante de seus olhos. Era claro, no final: assim como Daharius testaria Ciro, o Rei faria o mesmo com Sarosh.

Ergueu-se, afinal. Sua postura régia parecia ter sido multiplicada ao infinito. Sarosh sabia, imediatamente, que poucos seriam tão bons em moldar e dominar os pensamentos e desejos como seria Ciro. Talvez ele não demonstrasse talento para os Dons da Escuridão. Talvez não fosse fisicamente forte como alguns de sua Família. Mas, ao olhar nos olhos de sua nova progênie, Daharius teve certeza. Poucas mentes poderiam resistir à mente poderosa de Ciro da Pérsia. A cria não se debateu ou demonstrou dor. Não permaneceu longos minutos fitando o teto ou perdido nos seus novos sentidos. Segundos depois que bebeu de Sarosh, se levantou. Exibia, porém, fome, mas seu harém seria mais que suficiente para aplacá-la. Além disso, Sarosh tinha doado à sua cria Vitae o suficiente para que suportasse as primeiras horas.

Levantou-se e ajustou as vestes. Por dois segundos, sim, observou o ambiente com seus novos sentidos. Em seguida, olhou para seu Criador. Havia uma fúria em seus olhos imortais. Uma ambição imensa, monstruosa. O mundo não era o bastante para Ciro, jamais seria.

- Agora, meu Senhor, instrua-me sobre os teus interesses. Sobre os teus objetivos, pois eles também serão meus.

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Interlúdio - Sarosh - Página 2 Empty Re: Interlúdio - Sarosh

Ter Set 18, 2018 7:47 am

- A casa de Daharius Sarosh deve guardar a família. Toda a família. Cabe a nós reinar, desafiar e garantir que os demais ocupem seus devidos lugares. Para isto, criaremos e destruiremos. Conquistaremos e arruinaremos. Iniciaremos e encerraremos.

Segurou-o pelo queixo e o encarou com os olhos que revelavam a escuridão eterna, antes de encerrar.

- Lembre-me disto, minha criança, sempre que o tempo me fizer esquecer.
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