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Enki
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Mashkan-Shapir: Fortaleza da Dor. - Página 3 Empty Re: Mashkan-Shapir: Fortaleza da Dor.

Qua Ago 22, 2018 4:27 pm
*Loz, o Mais Velho possuía um talento singular: de abrir os olhos para verdades óbvias: estava claro que Laodice não precisava de sua ajuda. Nergal, porém, fugia, e a sua Visão dos Espíritos seria fundamental. Mas acima de tudo, Enki desejava abraçar seu Pai, buscar conforto e respostas pela morte de Gallod, mas sabia que seria inútil, tais preocupações não eram do feitio de Loz.*

*Ambos, pai e filho, adentram no zigurate para encontrarem o Clã da Noite já em perseguição, e Moloch. Enki não conhecia o Senhor de Assur, salvo que, apesar de também um infernalista, era um inimigo de Nergal. Tinham um adversário em comum e o Olho não o acusava como inimigo, então por ora isso teria de bastar.*

*Enki chega no ambiente a tempo de ver Sarosh afundando no chão como uma sombra gasosa, e faz o mesmo, assumindo sua forma de sangue e se embrenhando em meio às frestas e rachaduras no edifício, rumo ao subsolo. Enki vê os túneis a frente, e, quando possível, retoma a sua forma de Zulo. Mas seu alvo principal é o choro inquietante que assola seus ouvidos.*

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Qui Ago 23, 2018 8:06 am
Sarosh escorreu pelas fendas do já fragilizado Zigurate, alcançando a parte inferior deste, que estava a alguns metros de distância. Foi seguido pro Enki, em sua Forma Sanguinea. Loz e Laza prosseguiram através dos Dons do Pai da Escuridão, alcançando seus dois filhos no andar mais abaixo. Moloch, que não havia dito nada e em nada havia sido questionado pelos dois Antediluvianos, prosseguiu a pé. Demonstrava ter algum conhecimento sobre o Zigurate e sua estrutura física.

Passaram pelas frestas no subsolo. Retornaram às suas formas normais em um longo e escuro corredor, cujas paredes eram feitas de barro batido. O chão era de granito, repleto de limo e sangue seco. Haviam ossadas ali. Inúmeras, incontáveis, espalhadas pelos cantos escuros e em meio à passagem. Crânios estavam semi-enterrados nas paredes e no teto, e a dentição destes demonstrava que se tratavam tanto de crânios humanos quanto de vampiros que, por alguma razão, não haviam sido reduzidos à cinzas.

Todo o lugar tinha um odor nauseabundo, azedo. Não corria vento em nenhuma das direções. Atrás dele o corredor continuava, presumivelmente levando até as partes superiores do Zigurate. Diante dele, prosseguia, dando lugar somente à uma escada que subia, à direita. Enki não mais dispunha de sua Visão, de forma que não conseguia rastrear a posição de Nergal. Sabia, contudo, que o Inimigo não havia fugido. Estava em algum lugar ali embaixo, a esperar. Outras duas coisas chamavam a atenção do Filho de Enki: a subida após a escada parecia ressonar intensamente, como se alguma coisa, ou coisas, muito poderosas tivessem sido estocadas ali. A segunda coisa era o choro.

Continuava, onipresente. Era insuportável, carregando consigo um desespero crescente. Enki não sabia se a sua Besta se encolhia de medo ou se expandia, pronta para enfrentar a ameaça. O choro não era hostil exatamente a ele, mas era hostil a todos os que ali estavam.

Curiosamente, notou que Laza e Loz pareciam não escutá-lo.

Mas Sarosh, sim.

Começou como um pequeno soluçar, como o de uma criança, para depois evoluir para gritos e maldições ditadas por uma voz feminina, em uma lingua que Sarosh não conhecia mas que, devido à entonação, lhe parecia praguejar e ameaçar. Escutava-a em seus ossos, como um vento frio que anuncia a aurora.

O odor acre vinha do final do corredor. Enki intuiu, dada a sua vida pregressa em Mashkan-Shappir, que poderia tratar-se do Poço Sacrificial. Sabia, porém, que era dali que Nergal retirava parte de seu poder profano, e que se o Antigo os aguardava ali, as possibilidades de vitória diminuíam.
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Sex Ago 24, 2018 7:28 pm
*Quando reassume sua forma física, Enki fica parado por alguns instantes, seu pescoço serpentino ondulando de um lado para o outro, até se decidir em uma direção e seguir com suas muitas patas. Quando chega no corredor, aparentemente final, olha para os outros cainitas presentes.*

-Acredito que seja aqui o lugar onde a Cidadela da Dor fez por merecer o seu nome. É como o ninho de uma grande coruja, vêem? Por anos a fio ela trouxe suas presas aqui, e empanturrou a si e seus filhotes, e nós pisamos nas sobras regurgitadas de incontáveis refeições. Talvez... nosso visitante ilustre poderia nos informar melhor? Estamos prestes a visitar nosso primo desgarrado em seu local de poder, e não gostaria de entrar lá às cegas.

*Ele para e passa uns minutos ouvindo o choro as pragas contidas nele. O olho vermelho lampeja por um instante e Enki ri, sacudindo a cabeça.*

-Uma canção de fúria e vingança... Acredito que não vamos visitar só a Nergal. Também faremos uma visita aos nossos pecados, e aos de nossos pais.
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Sáb Ago 25, 2018 8:49 am
Profano.

Aquele era o centro de toda a podridão da Fortaleza da Dor. O cheiro, os ossos, os crânios cainitas que desafiavam as leis da própria morte. Tudo aquilo precisava ser lavado da existência com o sangue dos culpados. E será.

As sombras condensaram-se e retornaram à forma física de Daharius, conforme as placas sombrias cobriam-lhe o corpo formando sua armadura, revestida pela camada sombria de proteção contra as chamas infernais, as vozes ecoavam por sua mente. Olhou ao redor e notou o olhar atento de Enki - A besta quase indescritível que havia se tornado - que parecia também ouví-las. Os antigos, contudo, mantinham-se estoicos como se estivessem alheios ao praguejar incessante. Alertou-os, não com sua voz, mas com a sensação de urgência que sentia.

Sua mente expandiu-se tocando o pensar de Laza e Loz, despejando sobre eles - caso permitam a entrada - todas as sensações, lamúrios e palavras ditas por aquela voz que parecia emanar das entranhas da terra.


- Enki está correto. Nergal é apenas um dos oponentes. Algo...algo age por meio deste lugar, e dele.

A espada sombria, curva e longa, formou-se em sua mão direita enquanto os tentáculos - os braços do mesmo Ahriman que há pouco conheceu - erguiam-se a seu redor. Caminhou, decidido, rumo à escadaria d'onde o inimigo parecia aguardá-los.
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Sáb Ago 25, 2018 9:19 am
Enquanto esperavam no corredor estreito e escuro, notaram a aproximação de uma quinta figura. Atrás deles, na parte do corredor que levava aos andares superiores, se aproximava Moloch. Era uma figura alta, de olhar intenso e caminhar decidido. Vestia-se com um saiote de couro e sandálias amarradas nas pernas. O torso, pescoço, têmporas e a testa estavam repletos de tatuagens estranhas. Sarosh e Enki jamais haviam visto o Senhor de Assur e, agora que o viam, se davam conta de que ele não parecia particularmente impressionante.

Moloch estava desarmado. Seus dedos, repletos de anéis multicores, se agitava no ar. Os olhos eram de um castanho avermelhado, notáveis enquanto ele fixava intensamente os outros quatro Filhos de Caim. Não havia raiva ou ódio em seu olhar. Tampouco indiferença. Era um olhar quase respeitoso. Era realmente muito alto, de forma que abaixava a cabeça ao passar pelo corredor. Não brilhava aos olhos de Enki, mas o Filho de Loz teve a sensação de que, por um momento, sua cabeça era aquela de um bisão enorme.

Loz e Laza não impediram a mensagem de Sarosh, mas reagiram diversamente à mesma. Loz continuou sério enquanto ouvia as mensagens, em seguida olhou para Laza com um elemento de interrogação no olhar, voltando-se para Sarosh em seguida.

- Você pode ouví-la. Interessante.

Laza, por sua vez, parecia genuinamente confuso, com os olhos estreitos, observando o próprio Filho. Explicou, de forma muito limitada, o que acontecia.

- Aparentemente Ahriman tocou a ti, Sarosh, escolhendo-te. Mais uma razão para discutirmos, com calma, toda essa situação. O que você ouve, porém, são as Lágrimas de Zillah, Filha de Caim.

Moloch havia se aproximado. Dirigiu-se a todos quando os alcançou. Sua voz era melódica e suave, quase como uma elegia.

- Eu os saúdo, Senhores de Nippur. Nos encontramos em um local inesperado, afinal. Venho em Paz. Tenho tanto interesse no fim deste local quanto têm vocês.

Olhou para Loz e Laza, esperando uma reação. Os Antigos permaneceram em silêncio. Loz sorria, olhando para Moloch. Parecia particularmente satisfeito. Sarosh notou, porém, que Laza parecia tenso, quase que como pronto para o combate.

- Este Zigurate é vivo e traiçoeiro. A escada a direita leva à sala dos tesouros de Nergal. Seguindo pelo corredor, acredito que entraremos no Poço Sacrificial, que não existe em nenhum lugar senão na nossa mente. Minha proposta é que ajamos juntos. Nergal é o Senhor deste lugar, e aqui dentro seu poder é incomparável.

Tanto Sarosh quanto Enki perceberam que Moloch parecia não escutar os gritos. Estes, aliás, se tornavam mais e mais intensos, e pareciam, de fato, vir do alto da escadaria apontada por Moloch. Era perceptível que o aliado relutante, apesar de interessado na queda de Mashkan, parecia mais interessado no que existia no alto da escadaria. Laza se pronunciou.

- Enki e Sarosh, procedam até a sala dos tesouros e encontrem o que devem encontrar. Além disso, carreguem o que for possível. Há coisas que pertencem a nós, que foram roubadas de nós, e nós as teremos de volta. Queimem todo o resto. Nós seguiremos para encontrar Nergal e vocês deixarão o Zigurate assim que tiverem terminado.

Sarosh sentiu a mente de Laza roçar na sua. O Antigo transmitia apenas uma imagem. Uma pedra de granito, redonda, do tamanho da mão de Sarosh. Era manchada de Sangue.

Loz, por sua vez, enviou uma mensagem breve à seu Filho.

- Não confie inteiramente em Moloch mas, neste momento, ele não é o Inimigo. Além da Flor de Enoch e do Coração de Zillah há, ainda, a Adaga Negra de Obsidiana de Irad. Encontre-a.

*

Enquanto os dois Antediluvianos procediam, resolutos, em direção ao fim do corredor, Enki e Daharius, acompanhados de Moloch, avançavam rumo à escadaria que dava acesso ao salão. Era uma subida estreita, onde só passavam um por vez. Daharius foi na frente, a figura assustadora do Arauto do Abismo abrindo caminho. Enki precisou voltar à sua forma humanoide para que passasse pelo vão estreito. Moloch avançou por último.

Os gritos, agora, eram insuportáveis. A voz havia cessado de praguejar, mas continuava a chorar copiosamente. Enki pensou se aquele ruído não era capaz de enlouquecer alguém, se escutado por muito tempo. Moloch, como antes, procedia sem que aparentemente os rumores alcançassem sua audição.

Terminaram a curta subida, e se viram diante de um pequeno salão oval. Tinha o teto baixo e paredes de barro, com um piso de granito escuro. Não se prolongava a nenhum outro lugar, resumindo-se em si mesmo. Talvez esperassem encontrar armas e jóias, artefatos de grande valor para os cainitas e para os povos da Planície.

A única coisa que viram foi um amontoado de pedras exatamente iguais. Pequenas, perfeitamente redondas. Estavam espalhadas por prateleiras escavadas na rocha, pelo chão e nos cantos da sala. Estavam em todos os lugares, imóveis, como se observassem os visitantes. Moloch parecia ansioso, observava Enki e Sarosh com atenção. O choro havia cessado no momento em que haviam pisado no salão. Mas intuíam, com muita força, que a origem dos lamentos era, de fato, aquela sala.
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Dom Ago 26, 2018 5:58 pm
Separaram-se e isso não o agradava. Nergal deveria encontrar seu fim e não haveria ninguém mais capacitado para tal que os pais de Sarosh e Enki, ainda sim, Daharius era um homem da guerra. Queria estar ao lado do antigo no conflito final. Soube, quando a mente do antigo tocou a sua, que sua demanda era outra e dizia respeito à sua família. Foram muitos acontecimentos que fugiam ao seu conhecimento: A criança, Zillah, Ahriman. Sarosh prosseguiria sob a sabedoria de seu pai.

Separaram-se, mas não antes do segundo de filho de Laza deixar as coisas claras para o Senhor de Assur. Quem o falava era o arauto do abismo, um guerreiro envolto em trevas que faria qualquer mortal delirar em loucura. Sua voz era rouca e grave, abafada pelas sombras que compunham o seu elmo.


- Escute-me com atenção, Moloch. Diante de tu não estão os senhores de Nippur, pois a segunda cidade não mais existe. Diante de teus olhos estão dois dos que se espalharão e reinarão sobre suas terras, onde quer que elas estejam. Dito isso, saibas que não haverá lugar no qual as tuas práticas profanas possam esconder-se de nossos olhos. Nergal cairá. Todo e qualquer infernalista cairá a seguir. Leve tuas práticas imundas adiante e eu mesmo o caçarei até que não passes de cinzas.

-  Não tens confiança aqui. Toleraremos vossa presença somente em função de nosso objetivo ser o teu irmão e a destruição desta cidade. Jamais esqueças disso, não somos e jamais seremos teus aliados. Haverá a noite na qual as tuas cinzas serão o único destino possível e nesta noite, eu as tornarei realidade.

- Dito isso, ouses agir contra nós a seguir e cairá junto a Mashkan-Shapir.


Caminhou em direção à escadaria e encontrou um salão diferente daquele que imaginava. Seus tentáculos serpentearam por entre as pedras e seus olhos seguiam em busca da única pedra que de fato o interessava.

"Uma pedra de granito, redonda, do tamanho da mão de Sarosh. Era manchada de Sangue."

A procurava, mas o silêncio o incomodava. Sabia que algo residia ali, algo que não deveria estar desse lado. Manteve-se atento.
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Seg Ago 27, 2018 5:00 am
Em resposta, Moloch sorriu. Não era um sorriso de escárnio ou de ironia. Era um sorriso franco. Admirava Daharius Sarosh, Arauto do Abismo, embora não se amendrontasse com a sua aparência. Estava nitido que entre Sarosh e Moloch havia uma igualdade de firmeza e determinação.

- Um dia, Daharius Sarosh, conversaremos sobre as minhas práticas. Se você desejar, evidentemente. Até lá, rogo para que continues a caminhar por esta Terra. Eu o admiro, Daharius. Admiro o papel que intuo que terás nas Noites da Eternidade.

Moloch também cumprimentou Enki, embora com uma distância segura e sem nada falar. Havia, em seus olhos, o mesmíssimo respeito que parecia ter por Sarosh. Aquele homem alto, musculoso como um grande felino, emanava uma aura demasiado estranha. Não era hostil. Não era amigável, tampouco. Havia algo de triste, torturado nas expressões de Moloch. Uma tristeza oculta no fundo dos seus olhos, mascarada pela postura e pelo título aterrorizante de "Senhor de Assur, A Fonte de Todo o Mal".

Os tentáculos de Daharius serpentearam, derrubando algumas das pedras que quicaram no chão. O Arauto sentia o cheiro de Vitae doce, antiga e desconhecida. O silêncio era tumular, como se todos os sons externos fossem barrados antes de penetrar na sala. Não demorou muito. Sem se aproximar, contando somente com os tentáculos, Daharius notou uma pedra. Era igual, como todas as outras. Mas, quando exposta à visão dos cainitas, deixou escorrer uma única, grossa e lenta gota de Sangue.

Enki também percebeu o estranho fenômeno. Moloch observava o local onde os dois cainitas fixaram os olhos. Era nítido que não enxergava nenhuma diferença.

O silêncio foi interrompido com o som pesado de passos no corredor inferior, que dava acesso à escada e à sala. Eram passos arrastados, de alguma coisa grande, que tentava alcançar os cainitas. Moloch virou-se, sem nada dizer, e desceu as escadas, retornando ao corredor. Era nítida a sua postura cuidadosa e atenta, como a de quem esperava por uma batalha.

A pedra redonda convocava Sarosh. Não impunha sua vontade ou obrigava ao cumprimento de uma ação, mas era como se desejasse, intensamente, ser tocada.

O Arauto usou um de seus tentáculos para levantar o objeto e trazê-lo até a sua mão. Quando finalmente o tocou, sentiu todo o seu corpo estremecer, sua visão nublar e seu corpo se tornar leve. Era uma sensação estranha. Enki sentia o mesmo. Subitamente, não havia mais sala, pedras ou Zigurate. Somente uma profunda escuridão, ainda mais profunda que aquela sobre a qual Sarosh reinava. Silêncio absoluto, mas aquele da inexistência de som. Sentiram frio. Era como se alguma coisa invisível, similar ao vento, se movesse em direção contrária aos dois cainitas. Roçava em suas peles nuas, fazendo com que os pelos se eriçassem. Não havia nenhum referencial, nem mesmo o chão era visível. Era como flutuar em meio ao Nada Absoluto, uma sensação similar àquela de viajar pelo Abismo mas, ainda assim, diferente.

E então, pararam.

A única coisa que viram foi a lua, cheia, que começava o seu inexorável movimento de recolhimento atrás de grandes colinas verdejantes. O céu como um todo era claro e cheio de estrelas. Lentamente, uma espécie de cabana de couro começou a surgir ao redor deles. Era pequena e pouco aconchegante, nada mais que uma tenda para se proteger da... chuva.

Chovia. Torrencialmente, uma tempestade imensa e furiosa, como Daharius e Enki jamais haviam visto.

Estavam dentro da barraca, iluminada somente por uma tocha bruxuleante, de coloração violeta. Diante deles, agora, havia um tronco de árvore cortada, de um diâmetro considerável. Era como se o cenário fosse composto aos poucos e a cada vez que prestavam atenção em um detalhe, outros surgiam. Observaram as raízes expostas do tronco e os anéis que indicavam que havia sido uma antiga árvore quando duas tabuletas de argila surgiram, diante de seus olhos, sobre a espécie de mesa.

Fora, trovões rugiam e relâmpagos iluminavam a noite. Sarosh sentiu o inconfundível perfume do mar, o mesmo mar em que Laza o havia levado séculos antes, onde ele pôde ver a face de Amir.

As duas tabuletas estavam frescas, a argila permitia inscrições. E continham escritos em uma lingua estranha, similar à escrita de Nippur, mas diferente, mais antiga. A tabuleta da esquerda parecia um mapa rudimentar, com quatro pontos assinalados. A da direita era repleta de nomes vinculados uns aos outros, como em uma grande árvore genealogica. Era possível perceber que um único indivíduo dava origem a um segundo, que dava origem a outros quatro. Destes quatro, somente um deles dava origem a outros, uma infinidade de nomes escritos em uma caligrafia elegante. Sarosh reconheceu a si mesmo naquela tabuleta.

Olhava os nomes quando viu mãos que escreviam naquele objeto.

Diante deles, do outro lado do tronco de árvore, havia um homem.

Era alto e musculoso, embora não excessivamente. Sua pele era branca, permitindo a visão das veias escuras. As mãos fortes se moviam habilmente na escrita, e estavam presas a braçoes igualmente fortes, longos. O torso era nu, e somente um saiote de couro cobria suas partes íntimas. A pele era repleta de profundas cicatrizes avermelhadas ou escuras, que lhe cobriam o tórax, pescoço e coxas. O rosto era alongado, oval, com um nariz longo e curvado. Sob os olhos escuros e sob as sobrancelhas grossas, olheiras profundas. Era careca.

Emanava um aura estranha. Era como se fosse um velho conhecido de Sarosh, alguém que o teria dito palavras sábias e ensinamentos importantes. Ecoava em suas veias e em seu Sangue com uma força avassaladora. Mesmo o vínculo que tinha com Laza empalidecia diante do vínculo que tinha com aquele homem. Ele continuou a escrever, por alguns segundos, nas tabuletas, como se não tivesse notado que Enki e Sarosh estivessem ali. Subitamente, porém, levantou o olhar, fixando os olhos nos olhos escuros de Daharius.

Sorriu, levemente. Olhou para a tabuleta da direita, atentamente, por um segundo. Depois, voltou a olhar para o Arauto.

- Você deve ser Daharius Sarosh, Filho de Laza. Você é exatamente igual ao teu Senhor.

Sarosh notou que os olhos escuros não eram daquela forma graças à natureza. Eram profundamente escuros. Escuros como o Abismo.

O estranho encarou Enki.

- Tu eu não conheço. Intuo que não serás um meu descendente.

A última coisa a surgir no cenário foi uma belíssima Adaga de Obsidiana, pendurada em sua cintura com um pedaço de couro.

- Sou Irad, dito o Forte, filho de Cagn - Olhou para a mão de Sarosh. A pedra ainda estava ali. - Nos encontramos afinal, Daharius.
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Seg Ago 27, 2018 1:41 pm
*Uma tenda magnífica, mesmo em sua simplicidade. Enki a observa com diligência, encantado com o fato de que quanto mais prestava atenção, mais coisas encontrava, coisas que um segundo atrás não estavam ali. E a chuva também o fascina. Tanta água, tamanha quantidade…*

-É isso, não é? A grande chuva lançada por Ele Acima num misto de raiva e tristeza com seus filhos desgarrados. Ah, pudera eu ter tamanho controle sobre as águas que me abraçam…

*Ele se mantém em silêncio após a frase, andando pela tenda, seus olhos ora voltados ao estranho, ora aos nomes em sua tabuleta, ora à reação de Sarosh. Mas se mantém em silêncio até que seu anfitrião para de falar. Enki lhe saúda com uma reverência. Não está exatamente se prostrando, mas ainda assim seu tom é de profundo respeito, um respeito que advinha do fascínio que lhe tomava naquele momento.*

-Não, não sou. Minha linhagem é de outro, embora talvez eu desejasse que ele fosse igualmente… dedicado ao registrar o próprio sangue como tu.

*Sua perambulação pela ambiente para, e ele se dirige a Sarosh.*

-Desconfio que o que aprenderá agora será o que aprendi enquanto estive fora de Nipur. Vai levar-lhe à loucura ou mudar o modo como encara toda sua existência. Talvez ambos… Mas o momento é teu, as revelações são tuas e a ti lhe compete contemplá-las. Estarei afastado, para que comungue melhor com seu ancestral.

*Dito isto, Enki se dirige até a entrada da tenda, embora não se aventure do lado de fora. Ele apenas se concentra na chuva torrencial.*
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Seg Ago 27, 2018 11:30 pm
Atônito.

Daharius Sarosh caminhava sob a chuva que banhava seu corpo semi-nú. Ali, apenas o saiote negro cobria-lhe a parte inferior do corpo. Mesmo as tatuagens sombrias que permeavam seu torso recusavam-se a deslizar por sua pele pois, assim como o arauto, pareciam deslumbradas com o ambiente a se formar ao seu redor.

O ambiente ganhava contornos, formas e cheiros. Era impressionante. Passou a mão na tenda que findava em ser desenhada naquela paisagem buscando o conforto do toque para discernir o que era real naquilo à sua frente. Estava surpreso e admirado, embora mantivesse uma desconfiança latente.

Sabia, Sarosh, que estavam em algum lugar entre aquele salão na Fortaleza da Dor e outro espaço indecifrável aberto somente pela mística pedra em sua mão. Sabia, também, que Mashkan-Shapir era uma traiçoeira ilusão  que causaria dor à todos aqueles que a ela não pertencem. Eram os seus aguçados sentidos de autopreservação crescendo diante do desconhecido.

Estacou, porém, quando ele se formou. Antes que concluísse suas palavras, Daharius sabia quem estava à sua frente. Intuía sua natureza, sentia-o próximo. Ali, diante de Sarosh, estava o seu ancestral. Aquele ser que representava o mais bruto estado da existência daqueles que habitam a noite. Estava somente abaixo do primeiro dos amaldiçoados que enfrentou a fúria do Deus vingativo e, por isso, sua visão era tão impressionante.

Sabia que todo o resto poderia ser um engodo, mas que ele era real.


Ao fim de suas palavras, Daharius silenciou e aquietou-se por alguns instantes. Era muito para discernir. Olhou Enki, o ouviu e somente então sorriu. Colocou a mão sobre o ombro do filho do Estrangeiro e o respondeu.

- Ouvi de Loz, aquele ao qual por tanto tempo chamamos de Estrangeiro, que tudo muda. Que tudo precisa mudar. Mas foi contigo, Enki, que pude aprender isto na prática. Sabes, melhor que nenhum outro, que teu pai é inalcançável e que suas lições são de difícil apreensão. Contigo, porém, aprendi demais. Mal sabes a razão que tinha ao falar do Abismo e de Ahriman. Talvez, tenhas falado impulsionado por uma força maior e, ainda sim, estava correto.

- Eu mudei, Enki. Mudei profundamente. Mudei tanto que, mesmo eu que amo a minha família mais que qualquer outra coisa nessa existência, fui capaz de matar o meu próprio irmão. As razões são irrelevantes. Não tivesse mudado, eu seria incapaz do ato. Mudei de tal forma que amei um líder ao qual desprezei por séculos. Hoje, o enxergo como o Rei dos Reis. Mudei, também, quanto ao meu próprio Senhor. Eu o amava incondicionalmente, passei a odiá-lo profundamente e, agora, o entendo acima de qualquer amor ou ódio.

- Continuarei a mudar, Enki. Obrigado por essa valiosa lição. Fique, por favor, fique e compartilhe deste momento comigo. Sinto que compartilharemos tantos outros daqui em diante.

Caminhou em direção ao ancestral e sentou-se diante dele. Somente alguns poucos palmos de distância os separavam. Sorriu. Sarosh estava em paz, no meio de uma grande guerra, ele havia encontrado a paz.

- Eu penso neste momento em perguntar-lhe o mundo inteiro, Irad, o Forte. Aquele que viu tanto e tanto sabe. Compreendo, porém, que seria irrelevante pois o que viu e sentiu está no passado. Eu verei o futuro com os meus próprios olhos e algumas perguntas serão respondidas com o avançar dele, do tempo.

- Ainda sim, vivemos e lutamos uma guerra forjada em um passado no qual tu fazes parte. Pelos meus, perguntarei-te o necessário. Antes, contudo, eu gostaria de dizer-lhe algo que já sabes mas que deve lhe ser relevante após tanto tempo. Se é que o tempo possui relevância aqui.

Seus olhos escuros encaravam o daquele ser quase incompreensível.

- Ele o amava, absoluta e desesperadamente. Ele o odiava, com todas as forças que possuía. O admirava e o desprezava com igual itensidade. Tu eras tudo para ele.

- Ele o amou tanto que desejou exasperado que tu fosses o melhor dentre os seus. O maior caçador. O melhor dos líderes. O mais poderoso dos irmãos. Ele esperava vê-lo tomar as rédeas da existência e guiá-las conforme o justo e o correto, que seriam somente aquilo que tu escolherias. Doeu nele, de uma forma que arrancava-lhe a alma do corpo já morto, vê-lo falhar.

- Ele viu em tu a falha, a fraqueza, a incapacidade. E, então, ele lutou contra tudo isso. Passou a desafiá-lo, desrespeitá-lo, questionar as suas ordens e passar por cima de tuas vontades. Ele o fazia com a maior das fúrias somente para tentar transformá-lo no melhor que ele vislumbrava que tu poderias ser.

- Ele não se importava em ser o pior de teus filhos se isto o tornasse o melhor dos antigos.

- Tu jamais serias. Jamais atenderia aos requisitos dele. Ele, contudo, não poderia aceitar isso. E, finalmente, ele o destruiu pois não suportou vê-lo falhar.

O rosto de Daharius estava rubro. As lágrimas cobriam-lhe a face contra a sua vontade. O olhar e a voz continuavam firmes, porém.

- Eu sei, Irad. Eu sei porque tu tens razão. Eu sou exatamente o que ele era para vós. E ele é, para mim, exatamente o que tu eras para ele.

- Saibas porém que ele foi além. Ele buscou nos filhos o que tu, e nem mesmo ele, puderam ser. Buscou a liderança em Karotos, chamou de O Forte - com a mais triste das ironias - meu irmão Khanon-Mehr. Buscou a sabedoria do abismo em Tepelit, a habilidade em lidar com as palavras com Tubalcain e, vislumbrando perder o que já foi um dia, buscou um reflexo que jamais viu em minha irmã mais nova, Sybilla.

- Em mim, posso aventurar dizer que ele buscou a si mesmo, lembrando a necessidade de haver alguém para desafiá-lo e puxá-lo para cima todas as noites. Alguém que se transformaria no pior para tentar torná-lo o melhor. Alguém que o amasse e o odiasse com igual itensidade. Ele buscou em mim, Irad, o que foi para vós.

- Percebes? Tua prole é grandiosa. Tua prole é, finalmente, Forte.


Silenciou. O dito talvez nem fosse para aquele lendário vampiro diante de si. O mais provável era que precisava dizê-lo para alguém que jamais repetirá aquelas palavras. Alguém que sequer mais existe. Precisava dizer, de fato, para si mesmo. Ergueu os olhos escuros e tornou a falar, somente guiado pelo interesse de todos aqueles que precisam das respostas que viriam.

- Lhe farei as perguntas prometidas, agora. Não serão muitas, mas me dirão o que preciso para continuar.

- Lilith. Ela influenciou Saulot a criar o que hoje chamamos de inimigo. Porque, Irad? Porque a esposa de Caim despeja tanta ira sobre a descendência do antigo? O ódio dela cairá sobre nós eternamente? Essas perguntas iniciais são rasas, a que realmente quero lhe fazer é: como podemos destruir o legado de ódio e dor que os nossos antepassados nos deixaram e que ela continua a lançar sobre nós?

- Atrelado a isso, ouço os lamúrios de Zillah. O que houve entre vocês, antigos? Quem eram vocês, antigos - todos vocês - e por que a nossa história começa e termina em tragédia?

- Pergunto-lhe, por fim, porque escolhestes a morte-final? Eu sei que poderias evitá-la. Eu sei que poderias estar aqui, lutando ao nosso lado e enfrentando a desaprovação nos olhos de Laza. Diga-me, Irad, por que escolhestes o fim?


Aguardou, como uma criança a ouvir um adulto professoral. Sarosh estava despido. Despido de todas as certezas que um dia acreditou carregar.
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Mashkan-Shapir: Fortaleza da Dor. - Página 3 Empty Re: Mashkan-Shapir: Fortaleza da Dor.

Ter Ago 28, 2018 5:39 am
Tocaram e observaram a tudo, na tentativa de discernir o que era real e o que poderia ser uma ilusão de Mashkan-Shapir.

Sim, era tudo real. Ao mesmo tempo, era tudo uma memória. Uma memória turva, mergulhada nas águas escuras do Abismo que Sarosh sentia, claramente, o seu redor.

Relâmpagos cortavam os céus, a chuva continuava a cair. Diante da primeira constatação de Enki, sobre a natureza daquela tormenta, Irad somente sorriu e baixou a cabeça, voltando o olhar às tabuletas. Levantou o olhar escuro somente quando Daharius dirigiu-se a Enki com carinho e respeito. Naquele momento, e somente naquele momento, pareceu imensamente feliz, satisfeito. Acompanhava, sem piscar, o diálogo entre os dois cainitas. Seus olhos se encheram de lágrimas rubras que escorreram pela face de mármora. Não deixavam marcas. A pele branca absorvia, imediatamente, as lágrimas carmesim.

Nenhum Sangue seria desperdiçado.

Antes que Sarosh se dirigisse a ele, porém, ele se dirigiu a Enki. Fixava diretamente o olho vermelho, o Olho de Kupala.

- Então, o teu Criador é Loz. Fascinante. Vejo em ti o mesmo Amor que vi nele na primeira noite em que o encontrei. Você é um reflexo do que ele seria, se lhe fosse dada a escolha.

Deixou de lado as tabuletas e o tronco de árvore. Um novo relâmpago cruzou o céu e ele já estava diante de Enki. Tocou a face do Filho de Loz com as mãos nuas e Enki pode sentir um poder avassalador a percorrer-lhe as veias. Era como estar na presença de Ynosh ou de Kupala, ainda que fosse diferente.

- Muito será exigido de ti, Gashan, O Construtor.

Não se opôs à permanência de Enki no recinto. Ouviu, com atenção e calma, as palavras de Sarosh. Tinha sempre um sorriso na face, um sorriso de orgulho. Era como a expressão de um Pai diante das conquistas do Filho, diante da súbita revelação de que uma criança havia se tornado um homem. Mais do que isso, Irad sentia a dor de Sarosh. Chorou quando Sarosh chorou, as lágrimas caindo em quantidade, forma e velocidade idênticas, mas sempre absorvidas pela face branca. Era nitido que ele desejava abraçar Sarosh e consolá-lo. Talvez tudo o que o Arauto do Abismo havia aprendido sobre seu Ancestral, no fim, fosse falso. Dizia-se que Irad era incapaz de ternura, de sentimentos, uma força violenta que se preocupava somente em destruir tudo à sua volta. E, não obstante, chorava com seu neto. Sarosh sentiu a falta de Khanon-Mehr. Ao mesmo tempo, sentiu sua presença.

Quando Sarosh terminou de falar de Laza, mas antes que procedesse às perguntas, Irad o respondeu.

- A primeira coisa importante a saber é que você está certo em sua impressão. O Tempo não possui nenhuma relevância aqui. Eu sou, afinal, o Senhor de Ilyias.

Sorriu de maneira enigmática. Sarosh e Enki intuíram que tal assunto retornaria eventualmente.

- Entendestes tudo, Daharius. Eu não pude ser o que meu filho esperava de mim. Não pude ser o que nenhum deles esperava de mim. Cada um deles é uma parte de meu ser, e eu os fiz exatamente para que encarnassem estas partes. O senso de dever de Ventru o leva a construir, ou tentar construir, a paz e a harmonia que eu nunca fui capaz de erigir. A sabedoria de Ilyias era aquela que eu gostaria de ter tido. O fascínio de Laodice com tudo o que é incompreensível é a admiração que eu gostaria de ter tido perante ao desconhecido, se as minhas funções fossem outras. Foram criados à imagem e semelhança de mim mesmo, mas de um Eu que nunca existiu.

Sorria, ainda que de forma tristonha.

- Laza... Laza foi criado por Irad. Não pelo Irad que eu desejei que existisse, mas pelo Irad que era possível existir. Que era necessário que existisse. E por isso ele foi o que mais sofreu. Sofreu com a minha ausência e com a minha rigidez, e foi moldado por isso. Tornou-se, ele mesmo, rígido. Laza buscava em mim, de maneira incessante, que eu me tornasse mais do que eu era. Que eu me tornasse o que estava destinado a ser. Honrado, Sábio e Intuitivo, como seus irmãos. E ah, como Laza amava seus irmãos. E ainda os ama, intuo. De uma maneira distorcida, como é distorcida a sua maneira de expressar o próprio Amor. O expressa através da violência, da exigência. Exatamente como eu fiz com ele.

- Laza protegia seus irmãos de tudo e de todos somente por ter medo que, na ausência deles, eu perdesse o meu Norte. Ao fim, nunca me tornei como meus Filhos. Me tornei mais e mais como Laza. Ou ele se tornou como eu. Não sei, exatamente. No final de tudo ele odiava olhar para mim, odiava estar em minha presença. Eu era a prova de sua falha principal: a incapacidade de fazer com que aqueles que ama fossem os melhores possíveis. E, ao mesmo tempo, eu era o reflexo do que ele seria: o melhor possível dadas as condições ao redor. Dado o que era exigido dele. Não somos os melhores no que desejamos, Daharius Sarosh. Somos os melhores segundo o que o Universo necessita.

Baixou o olhar para as tabuletas e tornou a levantá-lo.

- Talvez o Pai tenha sido Sábio, afinal, em retirar o seu reflexo. Laza jamais poderá me ver novamente em si mesmo. E isso lhe trouxe Paz. Ele decidiu que seria o melhor possível dentro do que era exigido dele. E transferiu aos seus filhos, como eu o fiz, as pretensões do que gostaria de ser. Você, Sarosh, é o que Laza gostaria de ser. E o que ele gostaria que eu tivesse sido. Você é a sua obra prima. Seu reflexo. Mas você, também, é incapaz de ver o teu próprio reflexo e isto é uma lição. O que o teu Criador deveria ser, segundo o que tu achas, não deve nortear a tua existência. Esqueça o reflexo, Daharius. Seja o melhor em si mesmo. Encontre a tua Paz, como Laza encontrou a dele.

Olhou novamente para a tabuleta. Parecia que tentava encontrar uma informação perdida em meio aos escritos.

- E ele tomou a ti, Daharius, não por inveja pura e simples. Não para frustrar Ventru, o ser que ele mais amava. Ao menos, antes que você surgisse. Ele tomou a ti pois não suportaria viver sem a tua presença após te ver e te amar à primeira vista. E Ventru entendeu isso, ainda que Laza tivesse feito tudo de forma violenta e impulsiva. Ventru entendeu e o perdoou. Mas a culpa de Laza é imensa. Teria sido melhor se você tivesse sido tomado por Ventru? Você teria sido alguém melhor? Ele nunca saberá. E esta culpa o portará a destruir o Amor que ele sente por Ventru. Pois é assim o meu Filho. Ele destrói o que não entende, o que foge do seu controle...

Irad sorriu, pela ultima vez.

- Ajude-o, Daharius. Ajude-o a encontrar a Paz.

Quando Sarosh começou as perguntas, Irad baixou, novamente a cabeça. As tochas tremeluziram levemente, e um forte trovão, o mais forte que os dois cainitas jamais haviam sentido, ressoou no céu. Quando Irad levantou a face, não era somente Irad. Era também Ahriman. Nada havia mudado em sua pele ou rosto. Mas Sarosh sabia e Enki sentia. Apenas sua voz era ligeiramente mais profunda.

- Lilitu. Ela odiou o Pai Negro quando ele a abandonou, trocando-a por nós quatro. Ela odiou cada um dos nossos Treze filhos, assim como os filhos de Jabal. E ela odeia vocês por extensão. Ela odeia tudo o que o Pai deu a nós e não deu a ela. Ela odeia a nossa Família, a nossa grande e infinitamente imperfeita Família. E enquanto a Família estiver de pé, ela continuará odiando.

- E o Pai a odiava. A odiava em razão de ela ser uma mulher. A odiava porque ela, uma mulher forte, havia abandonado seu Pai mortal, o Primeiro, criado do barro por Aquele Acima. Teria sido diferente se Lilitu estivesse ao lado de Adão, se fosse mãe de Caim? Teria ela ensinado coisas melhores a ponto de ele não ter a necessidade de buscar o Amor d'Aquele Acima através do sacrificio de seu irmão? Teria ela amado o Pai Negro?

Sorriu. Era um sorriso diferente. Era quase cruel, malicioso. Não o era completamente em razão da face de Irad predominar sobre a face de Ahriman.

- Como é sabido, a dúvida leva à raiva e leva ao ódio. E nós somos culpados deste ódio. Nós invadimos os Jardins de Lilitu, sua casa, seu refúgio. Sob ordens do Pai, mas também para dar vazão à nossa luxúria, invadimos seu Jardim, assassinamos seus filhos, queimamos as árvores e poluímos os rios. E Lilitu, bem, Lilitu enlouqueceu. Eu choro, todas as noites, em razão deste imenso pecado.

Irad caminhou. Passou por Enki e Sarosh. O Arauto sentiu. Sentiu o Abismo em sua manifestação mais perfeita, mais sublime.

- O Pai Negro amava Saulot. Amava sua bondade, sua justiça, sua beleza de espírito. Saulot passava horas e horas, mais tempo do que qualquer um de nós na presença do Pai Negro. E quando Lilitu descobriu isso, e percebeu que todos nós e também nossos Filhos amavam Saulot, o escolheu. O escolheu para sofrer. Para que um erro de Saulot fosse para sempre lembrado por nossa Família. Para que não houvesse nenhuma esperança. Se aquele que era o mais puro dentre nós, o mais belo e humano poderia criar tais obscenidades, em quem poderíamos confiar? Em absolutamente ninguém.

Parou.

- E parece que, afinal, a ideia dá frutos.

Sorriu. Era cada vez mais Ahriman. Sarosh se sentia... drenado.

- Destruir tal legado de ódio é impossível. Não se pode destruir Lilitu, aquela que ensinou os Dons ao Pai Negro. Pudemos aprisioná-la, pelo bem de nossa descendência. E foi o que fizemos. Construímos os Pilares da sua prisão. E fizemos isso sacrificando a nós mesmos. A dívida foi paga. O Sangue dos Filhos de Caim pagou pelo Sangue dos Filhos de Lilitu. Deveria ter sido o fim. Mas ela escolheu continuar. E nós sabíamos. Portanto, nossa morte não foi em vão.

Aproximou-se do tronco de árvore. Passou a observar a tabuleta que parecia um mapa.

- Lilitu expulsou de si mesma, em um último esforço antes de ser confinada ao Esquecimento, quatro filhos. Os colocou em quatro cantos do vasto mundo, de onde deveriam partir para destruir a Prole de Caim onde quer que esta se encontrasse. Quatro Bestas grandiosas e terríveis, de poder inigualável. E, num último esforço, nossos Filhos entenderam que nosso inimigo não era somente Lilitu. Eram, também, aqueles quatro que estavam destinados a destruir-nos. Loz garantiu que Enoch continuasse vivo através de Kupala, a montanha que aprisiona aquele ser é um dos Pilares que aprisiona Lilitu e seus Filhos. Foi naquele lugar que meu irmão foi morto. Minha irmã, Zillah, foi morta no Vale de Gei Ben-Hinnon, de forma a dar vida a um outro Pilar: a Montanha que Não Existe, que se chamará, ou se chama, Alamut. Eu morri aqui, onde estamos, diante do mar, onde Laza construirá seu reino e sua Fortaleza, também esta um Pilar. E Jabal, meu querido irmão, foi destruído na terra que vocês conhecem como Khemet. Jabal vive, porém, no Sangue de cada um de seus Filhos, cada um deles e todos eles um Pilar. Assim como eu vivo em Ahriman, o Abismo. E assim como Zillah vive neste obejto que repousa em tuas mãos.

- Nós não podemos morrer. E isso é bom. Mas quando os pilares caírem, Lilitu e sua Prole retornarão ao mundo. E não farão distinções entre cainitas e mortais, entre quem é culpado e quem não é. E o mundo arderá. E a Raça de Caim terminará.

Baixou novamente a cabeça e, quando a ergueu, era Irad.

- Lilitu sussurra, ainda, por entre o Véu, segredos profanos que podem portar ao fim da Prole de Caim. Sussurrará a todos os Treze. Alguns deles acreditarão, e se deixarão conduzir por caminhos tortuosos que portarão suas famílias ao caos e à desagregação. A menos que sejam trazidos à razão quando o tempo vier.

Sorriu, encarando os dois outros cainitas alternadamente.

- Neste momento, em algum lugar do Tempo, um descendente de Haqim se prepara para enfrentar um dos Filhos de Lilitu. Perecerá, no processo. E perecerá porque, neste momento, não é possível derrotá-lo. Perecerá, apesar das boas intenções, pois está sozinho. É possível aprisionar um Filho de Lilitu que se move em seu sono, reforçar o Selo que o prende. Mas, somente, com a parte de minha irmã, cuja morte criou o selo. Esta parte, que você detém, Sarosh, mas que deve ser cuidada pelos filhos de Haqim. Assim como a Adaga que ele detém, e que foi feita por mim, deve ser guardada pelos Filhos de Laza.

Olhou para Enki. Fixou, novamente, o Olho.

- Felizmente algumas coisas estão no seu lugar natural.

Irad se empertigou. Parecia cansado. Havia chegado ao fim de uma longa explicação. Sarosh sentia que o tempo do Antigo estava se esgotando.

- Eu vos dou, agora, uma ultima escolha. Podem retornar a Mashkan-Shapir e, ao lado de vossos Criadores, enfrentar a última das batalhas daquele lugar. Uma batalha que, talvez, não seja vossa.

- A segunda opção é impedir que vosso parente, Filho de Haqim, seja destruído e que o Filho de Lilitu esteja mais próximo de sua vingança. Com o Filho de Haqim repousa um presente dado com boas intenções por uma mão cheia de pecados. Ele deve usá-lo. Posso enviá-los, através do Tempo, na direção exata de onde ele está. Isso custará, contudo, grande poder da minha e da vossa parte. Provavelmente, Sarosh, se eu o fizer não nos veremos novamente.









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Mashkan-Shapir: Fortaleza da Dor. - Página 3 Empty Re: Mashkan-Shapir: Fortaleza da Dor.

Ter Ago 28, 2018 9:45 pm
*Quando escuta Sarosh, os olhos de Enki começam a se avermelhar. Só então Sarosh percebe que o Moldador estava, de fato, lacrimejando.*

-Não faz ideia do quanto me alegra ouvir estas palavras, Príncipe do Abismo. A nós Moldadores, foi dada a sina de sermos agentes da Mudança. E eu me pergunto, estamos nós no controle da mudança que promovemos? Sempre senti que não. Mas com você, aprendi que posso, e preciso. Se eu lhe ensinei mudança, irmão, você me ensinou um pouco de firmeza. E o propósito veio com os filhos do Pai Negro.

*O interesse do Forte sobre sua pessoa era intoxicante. Enki sente um calafrio mas ainda consegue encontrar forças para responder.*

-Deveras? É uma observação fascinante, e eu gostaria de ter todo o tempo da Criação para discutí-la, porque eu mesmo sinto poucas escolhas em nossas existências. Talvez seja o curso do rio que nos é traçado, começando por nossos Pais. Algo que nós três temos em comum, imagino. Nosso destino é traçado por nossos pais, até ser mudado por nossos filhos…

*Ele fica em silêncio imediatamente quando Irad o toca. A sensação é avassaladora, e seu Olho pulsa de tal forma que Enki acha que o globo vai estourar. Ele ofega, parte em êxtase parte apavorado, enquanto o Forte se volta para seu neto prodígio.*

*Ele escuta tudo. O desabafo, a intensa e complexa relação entre Sarosh, Laza, Ventru e Irad e acima de tudo, as Revelações da Mãe Negra. Mesmo sobrecarregado de sensações como estava naquele momento, dedica cada fibra de seu ser a ouvir a história. Apenas quando Irada termina, Enki se aproxima novamente dos dois. O mero toque do Forte o debilitara, mas agora encontrara forças para se reerguer e, enfim, falar.*


-Sarosh… A queda de um da prole de Haqim seria uma tragédia, mas em situações normais, nada de nossa conta. Afinal, temos uma batalha crucial nos esperando de onde viemos.

-Porém… As coisas mudam quando o que está em risco é um dos Pilares. Não há como prever o que aconteceria se um deles se enfraquecesse neste momento, mas as consequências seriam ruins para todos, sem exceção. Indo até o Vale, salvaríamos um guardião como nós, reuniríamos três dos quatro objetos e fortaleceríamos os selos. Mas o preço é pagar é alto. E como será você quem irá pagar, é justo que seja sua a escolha, irmão.
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Qui Ago 30, 2018 7:55 am
Daharius colocou-se de pé. Havia determinação e propósito em seu escuro olhar. Havia, finalmente, entendido o seu papel junto à família. À toda família.

Era ele um guardião, como a previsão de Enki indicou. Mas era guardião dos pilares, daqueles que mantém não só o abismo fechado mas impedem que um mal antigo, devastado pela dor e pela solidão, amargurado pelo abandono, recaia sobre a prole de Cagn e sobre os filhos de Set.

Apertou, com firmeza, o antebraço de Irad. Sorriu, ao notar que sua abundante força era irrisória perto daquela possuída pelo seu Ancestral. Era ele o Forte, afinal.

Sarosh o enxergaria como o Forte, de fato. Tão forte foi aquele ser que sacrificou-se, junto a seus irmãos, para conter o grande mal. Tão forte ele foi que viu o desespero nos olhos de seus filhos ao destruí-lo, mesmo que parcialmente, e permitiu que fosse feito. Por um bem maior, permitiu que fosse feito. Assim agirá Daharius Sarosh, o bem maior deverá prevalecer mesmo que para isso ele tenha que promover perdas e dores menores.


- Não há escolha possível, Irad, meu ancestral e Enki, sábio moldador. Pois, se eu escolhesse algo diferente de manter o filho de Lilith preso estaria desdenhando do sacrifício feito por vós e pelos teus. Da dor de meu pai e do destino que nos aguarda.

- Se houver a chance, antes de irmos, gostaria apenas de uma palavra tua sobre Ahriman. Ele adentrou ao corpo de meu irmão, Tubalcain, e disse que eu o pertencia. Não o temo, pois devo guardá-lo. Não o subestimo, pois conheço a profundeza do abismo. Como és o primeiro e o maior conhecedor de nossos dons, avô, peço que me guie nesta outra jornada que tanto tem haver com a primeira.

- E, finalmente, como sairemos daqui em busca do Filho de Haqim, há um pedido final. Moloch - que é também nosso inimigo agora ou em um futuro próximo - permanece no salão de onde retirei a pedra que está em minhas mãos. Ele não pode ficar livre para recolher o que há naquele salão. Se retornasse, eu arrastaria tudo que lá está para as profundezas do abismo, de onde ele jamais as poderá retirar. É preciso que façamos algo.


Seus olhos escuros refletiam o abismo durante a última frase. Encerrou, decretando.

- E, então, partiremos para combater a cria de Lilith e salvaguardar a todos, inclusive o filho de Haqim. Foi uma honra, Irad, além de uma oportunidade única de encontrar-me através de encontrá-lo.
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Sex Ago 31, 2018 7:03 am
Pareceu a Enki e Sarosh que a chuva havia aumentado de intensidade. Era um temporal, antes, mas agora era um... Dilúvio.

Irad parecia ignorar os relâmpagos que iluminavam sua face marmorea e os trovões que ameaçavam destruir os pilares que sustentavam o mundo. Permanecia calmo, quase indiferente. Sua mão esquerda deslizava lentamente pelas duas tabuletas enquanto escutava as últimas palavras de Enki e Sarosh. Subito, uma revelação atingiu a mente dos dois cainitas.

Aquilo era uma memória.

Sabiam pois sentiam que pessoas se aproximavam. Não estavam em um plano qualquer de existência onde teriam encontrado o Filho de Caim. Estavam presos, congelados em um momento muito específico do tempo. Sarosh soube, imediatamente, qual momento era aquele quando sentiu a aproximação de seu próprio Senhor, acompanhado, pelo que podia intuir, de três de seus irmãos. Ventru, Laodice e Ilyias. Aquele era o momento da morte de Irad, um momento tão grandioso e tão traumático para o próprio tecido da Criação que restou marcado neste mesmo tecido. Irad, obviamente, não mais existia. Mas seus últimos momentos estavam ali, acessíveis. Tal percepção não explicava, porém, como Irad conseguia interagir com eles, indivíduos que, claramente, não pertenciam àquele momento. Além desta, havia outra sensação confusa. Era sabido que os Filhos de Caim haviam sido destruídos após o Dilúvio enviado por Aquele Acima, o que teria forçado Caim a deixar sua solidão e retornar, amaldiçoando seus netos. Havia uma incongruência temporal ali.

Apesar da iminência da morte, o Filho de Caim continuava calmo.

- Ahriman... Ahriman é simplesmente o nome que demos ao Abismo. Ahriman não é nada mais que o Abismo. E, sendo-o, é tudo. Ahriman está em nosso Sangue e em nossa Mente, uma força que nos fala no silêncio e na solidão. É o conjunto das consciências abissais, plasmada em uma única e grandiosa entidade. Ahriman sou eu e é também Khanon-Mehr. Ahriman é a soma de todos os que fazem do Abismo sua morada permanente e que, para fazê-lo, fundem parte de sua consicência com aquela superior. Ahriman sera você e sera Laza, quando o momento vier. É neste contexto que você pertence a ele.

Irad sorriu. Quando o fazia, inundava a todo com uma tranquilidade tangível.

- Estás correto em não temê-lo. Estás correto, também, em não subestimá-lo. Não há moralidade nas ações de Ahriman. Há interesses, interesses formados pelas consciências de todos nós. Com o tempo, aprenderás a conhecer estes interesses, e determinar se é interessante seguí-los ou não. Ahriman não sou eu, Daharius. É uma parte de mim e de todos nós, liberta de nós mesmos. Lembre-se sempre disso. Sempre. É o preço que pagamos por ser quem somos e por comandar as forças que comandamos. E você é o seu Guardião, pois serás, substituindo teu irmão Tubalcain, que por tanto tempo ostentou o Manto até que tu estivesse pronto, o Guardião do meu Pilar. Do Pilar de Ahriman. Serás o Guardião desta pequena ilha perdida no meio do mundo. Serás o Guardião de tua Família e de tua Raça. Guardarás a mim. A ti e aos teus Filhos. Guardarás o teu Senhor, quando os Sussurros de Lilitu estiverem a ponto de romper a sua sanidade e determinar que ele realize uma escolha com consequências terríveis.

Seu olhar, depois desta ultima frase, era incisivo, transmitindo uma sensação de urgência.

- Não tema Ahriman. Se escutares bem e com calma, ouvirás a minha vós em meio às milhares de consciências que se abrigam em seu seio. Te guiarei no que for necessário, na medida do que me for permitido.

Estavam cada vez mais próximos, aqueles que destruiriam Irad.

- Quanto a Moloch, não se procupe. Não há mais nada naquela sala que possa interessar a ele. Desconfie de Moloch. Sempre. Mas tenha atenção à todas as suas palavras.

Irad não se despediu. Sarosh sentiu, claramente, que o Abismo se agitava intensamente. Era a mesma sensação que tinha quando Laza usava de seus Dons. Se manifestava, porém, de uma forma muito mais suave, menos brusca, mais elegante, quase. A sombra projetada por Irad se ergueu por detrás dele, escurecendo toda a cabana, abafando o rumor da chuva e apagando as tochas violetas. Por um segundo, suspensos em meio ao Nada Absoluto, Enki e Sarosh viram somente Irad em meio à escuridão. Sorria. Tudo terminaria bem, era a única certeza que tinham naquele momento. Irad tinha os olhos marejados enquanto encarava Daharius. Suas últimas palavras antes de desaparecer foram as seguintes.

- Terás muito orgulho de tua descendência, Daharius. Aqueles que carregarão teu Sangue jamais serão coadjuvantes. Para o bem ou para o mal.

Vento quente.

Estavam em meio a um deserto, com uma imensa depressão em forma de Vale que se desdobrava diante de seus olhos. Sentiam Ya'rub, mas não eram capazes de vê-lo.


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