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Sussurros do Vento Empty Sussurros do Vento

Qua Ago 22, 2018 10:55 pm
Ligeiros eram aqueles pés escuros e acinzentados da poeira que lhes cobria. A terra em suas roupas carmesim era oriunda de todos os lugares e, ao mesmo tempo, de lugar nenhum.

Quando adentrou à clareira Dele, curvou-se. Sabia que ali a sua vida tremulava incerta como o sol que arde por cima das areias do deserto de onde sua peregrinação começou. Os dourados olhos ergueram-se junto ao corpo longilíneo e esguio quando lhe foi permitido. Estava de pé, com aquela estranha vegetação de cor amarelada a cobrir-lhe até a cintura. Vê-lo, tão de perto, a fazia tremer.

A pele em tom ébano delineava os braços e pernas firmes Dele. Trajava nada mais que um saiote de palha adornada com pedras brancas. Seus cabelos eram crespos e longos, trançados sobre o ombro como uma juba negra. O olhos, ah, os olhos. Castanhos avermelhados e desejosos por sangue. Impunha respeito e medo. A face severa parecia castigada pelo sol. Ao lado do olho esquerdo havia uma cicatriz profunda que prolongava-se em direção ao queixo. Estava de pé, também coberto - embora apenas até os joelhos por sua altura - pela savana dourada que se estendia até o limite do horizonte. O sol já se escondia por detrás dos montes ao longe quando ela começou a falar.


- Ọba kiniun, Ọba ti Savannah. Honra-me com tua hospitalidade. Honra-me com teus ouvidos atentos. Sou Hadiya, Sussurros do Vento, Guardiã da Palavra e do Ma’at, Fostern dentre os Peregrinos Silenciosos.

A mulher negra com o tecido rubro sobre a cabeça e incontáveis colares de contas ao redor do pescoço abaixou levemente a face e inclinou-a para o lado. Expunha sua jugular para Ele. Notou, neste momento, que abaixo da vegetação amarelada uma dezena de silhuetas indistintas moviam-se lentamente e em absoluto silêncio. Estavam circundando-a.

- Venho d'onde jamais retornarei, com más novas que atravessarão o tempo. Nosso lar se foi e à ele perdemos. Os nossos, os que caminham e aqueles que virão, jamais encontrarão descanso às margens do grande rio. Os que se foram, aqueles que nos guiavam do outro lado, não mais nos alcançarão. Estamos sós. Estaremos sempre sós.

- A Serpente nos lavou a alma, retirando dela o nosso pertencimento ao rio. Ao vento fomos jogados, ao vento pertencemos e, ao vento, levaremos as más novas que se avolumam.


As silhuetas abaixo da relva dourada afastavam-se, permitiam que ela continuasse. O homem mantinha-se em silêncio, fitando-a com os olhos que já cintilavam em rubro refletindo o sol baixo no horizonte. Ela continuou.


- As tribos enfrentam os que deveriam ser protegidos, pois há muito os castigam e agora levantaram-se contra nós. Não mais nos temem e nos enfrentam. Não podem, mas o fazem. Sangue, morte e mácula espalham-se. Ao leste os filhos do Grifo massacram vilas inteiras, certos de que sua tarefa findou. Discutem, os outros, sobre a necessidade da Lei. Deliberam, sobre todos, o caminho a ser tomado. Virão às suas terras, Ọba ti Savannah, e será este o dia na qual as terras não mais lhe pertencerão. Assim a coruja vislumbra, assim a sua filha lhe traz.

- Com o vento que me trouxe, o deixo.


Uma vez mais, curvou-se em respeito àquele que a ouvia e, ao erguer os olhos, notou estar sozinha. A noite já havia caído e  luna em seu esplendor maior a brilhar no céu estrelado era a sua única companheira em meio àquela savana.


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