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Qua Ago 22, 2018 8:15 pm
Os jogadores devem postar aqui os seus backgrounds. Adicionem nome do jogador e nome do personagem antes do texto.
Francesco de Anjou
Francesco de Anjou
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Qui Ago 23, 2018 6:04 am
Nome: Okan-Kiniun, Coração de Leão.
Jogador: Danilo.


Era noite. Noite funda, sem estrelas. O vento corria a relva, envolvendo as brincadeiras dos filhotes que escalavam as árvores, ansiosos por demonstrar sua coragem. Árvores altas, ancestrais. Dentro delas viviam os espíritos dos mortos inquietos, dos antigos, dos avós e pais. Cada árvore continha o seu espírito, eternos em si mesmo e em seus descendentes.

Aquele filhote, porém, não brincava com os outros. Era mais magro e muito menor, e era constantemente vítima de escárnios e violência. Preferia estar sozinho, em meio às clareiras, a desenhar, no chão seco, histórias dos Ancestrais que jamais havia conhecido. Não se sentia triste por estar sozinho. Sentia-se protegido. Sobre a sua cabeça, estava o Grande Caçador. Estava lá, no céu escuro, mas também de fato em sua cabeça, já que o couro cabeludo exposto, sem cabelos, hospitava sinais de nascença que seguiam o padrão daquelas estrelas.

O velho entrou na clareira. Era curvado, mancava. Mas tinha um imenso ar de Sabedoria. Sua barba branca e crespa emoldurava o rosto. O único olho escuro que tinha era cheio de afeto e atenção. O filhote previu a chegada de seu Baba, pois o perfume das ervas que fumava chegava antes dele. Na cintura, uma grande klaive dourada, cujo cabo era cravejado de pedras avermelhadas. Vestia somente um saiote escuro, de couro de gnu. O filhote alçou o olhar, mas nada falou. Continuou com seus desenhos.

O Ancião se sentou. Silêncio, quebrado pelas baforadas de fumaça e pelo som do graveto que riscava o chão.

- Baba, por que meu nome é Okan-Kiniun?

O Ancião suspirou.

- Já lhe contei esta história muitas vezes.

Desta vez, foi o filhote que suspirou. Tinha seis anos. O Ancião se convenceu, após notar a face enfezada do filhote.

- Okan-Kiniun é o nome daquela estrela - Apontou para o céu, na direção do Grande Caçador - que é o Coração do Leão. Seus pais escolheram quando viram que os sinais em seu ori eram iguais ao corpo do Grande Caçador, que está olhando por nós.

O filhote baixou a cabeça e continuou seus rabiscos.

- Por que não vai correr com os outros filhotes?

O filhote levantou o olhar.

- Eu não gosto deles, Baba. São violentos.

O Ancião sorriu.

- Sim, são. Aos outros gatos falta um propósito.

O filhote deu de ombros. Não queria ser novamente espancado pelos outros. Estava bem, com seus desenhos de glórias passadas.

- Quer que eu te conte uma história? Pode ajudar com seus desenhos.

O filhote largou, imediatamente o graveto, sentando-se diante de seu Baba. O Ancião deu um profundo trago, deixando que a fumaça se amontoasse, por um tempo, em seus pulmões. Depois, a expeliu. A fumaça uniforme lentamente se modificou em figuras e cenários, para deleite do filhote que assistia a tudo atentamente.

"É sabido que nossa tribo caiu em desgraça quando o último de nossos grandes reis teve seu único filho assassinado pelos Ajaba. Aquele Príncipe, que deveria governar todos as feras e garantir que cada um cumprisse seu papel no esquema da Criação jamais pode cumprir sua tarefa. Sua carne foi dilacerada pelas presas dos Ajaba mas não foi só isso. Sua alma chegou ao Orun em frangalhos, e ele jamais retornaria ao mundo, pois lhe faltava substância.

Seu Pai, o Grande Rei, sabia disso. E ele chorou por dias e noites, pois se sentia sozinho e abandonado enquanto os outros gatos se espalhavam pelo mundo, com vergonha de seu papel na Grande Traição dos Ajaba. Era um Rei sem reino, sem súditos e sem herdeiro. Chorou e chorou, até a noite em que viu um arco-íris. Era Oshunmare que, compadecido de sua tristeza, veio ao seu encontro.

O Orisha garantiu que tudo seria resolvido, pois ao pequeno Príncipe seria garantido o descanso no Orun. Shango reconstruiria seu espírito, usando grandes barras de metal incandescente, cujo calor faria com que seu Okan voltasse a bater. O Rei se alegrou, mas Oshunmare foi muito claro. Não reencontraria seu filho. Não naquela vida. O Rei se entristeceu novamente e Oshunmare se compadeceu. Prometeu retornar.

E o fez quando o Rei deixou esse mundo. Graças aos seus feitos gloriosos, lhe foi concedido um lugar de honra no Orun. Tornou-se o Caçador que nos vigia e nos guia. Aquele que está no céu e que está, também, em tua cabeça.

Shango cumpriu sua promessa. Vagou pelo mundo, recolhendo das entranhas da Terra os metais mais resistentes e poderosos. Fez um grande esqueleto de metal, na forma de um leão. Mas precisava de calor para fundir as peças de metal. Viajou, então, a Okan-Kiniun, a estrela que representa o coração do Grande Caçador. E ali, com o calor emanado da estrela, forjou um espírito de metal que suportaria o espírito do pequeno príncipe.

Só havia um problema. Os Ajaba haviam devorado parte do coração do filhote. Shango, muito sábio, o remendou com o Vazio que sustenta as estrelas e o colocou dentro de um involucro de metal, para que jamais fosse devorado novamente. Mal sabia ele o problema que essa atitude causaria...

Habilmente, em sua forja no coração de Mawenzi, que é um dos cones da Grande Montanha, fundiu o espírito destruído do Príncipe com a sua estrutura de metal. E ele retornou à vida, sendo colocado junto ao seu Pai nos céus. É por isso que uma das estrelas do Grande Caçador é chamada de Kekere Kiniun, o Pequeno Leão, ou Leão Menor. E, com a ajuda do metal de Shango, o Príncipe brilhava nos céus da criação.

Mas o Príncipe olhava para Aiye e sentia dor e pena dos outros gatos. Sentia a sua culpa e as suas orações pedindo perdão pelo que fizeram. E então, resolveu deixar o Orun, encaminhando-se para Aiye, onde deveria cumprir seu Destino de tornar-se um grande Rei, perdoar as outras tribos e unificá-las, novamente, em uma força reconhecida.

Ocorre que Shango havia utilizado todos os metais de Aiye para construir a alma do pequeno Príncipe, e nada havia restado para construir-lhe um corpo. Pediu, então ajuda a seu parente Ogoun, que tinha sido o primeiro Orisha a pisar em Aiye. Acontece que Ogoun era também um ferreiro, e não conseguia encontrar outros metais que pudessem formar um corpo para o Príncipe. Ainda assim, compadecido pela honra e vontade de lutar pro seu povo que eram características do filhote, Ogoun o levou atá a sua forja, no outro cone da Grande Montanha, Kibo.

Ogoun decidiu usar como material partes de si mesmo, já que tinha muitos aspectos e, frequentemente, não conseguia controlar a todos, caindo em recorrentes ataques de fúria e desejos de vingança. Retirou partes de sua carne e fez um corpo para abrigar o espírito de metal do pequeno Príncipe. Partes de seus aspectos foram usados, e estes determinariam muito da personalidade do pequeno.

Ogoun cortou sua mão direita, a mão do combate, e a acoplou na estrutura que estava criando. Com ela fluiu também Ogoun Ajaká, sua parte agressiva, de comando. Era a parte de Ogoun acostumada a dar ordens e ser obedecido, sua parte irrascível e prepotente. Em seguida, pensou que seria um desastre uma personalidade tão violenta sem dispor de algo que pudesse focá-lo. Mesmo porque havia identificado o Vazio no coração de granito do Príncipe, e sabia que aquele Vazio tenderia a sugá-lo, dando espaço à destruição gratuita de Ogoun Ajaká.

Ogoun cortou, então, sua mão esquerda, aquela que dá acesso a todas as coisas que estão escondidas, e com ela fluiu Ogoun Onirè, aquele que é ligado ao Submundo e aos antepassados, que se enraivece facilmente, mas que tem o poder de se acalmar quando necessário. Esperava que Onirè contivesse Ajaká se fosse necessário, pois era a sua parte mais velha e mais sábia, ainda que fosse um perfeito cortador de cabeças.

Ogoun pensou, então, que deveria dar equilibrio ao Príncipe, dado que tanto Onirè quanto Ajaká eram reis à sua própria maneira. Cortou, então, sua própria cabeça e a fixou em sua obra. Com ela fluiu Ogoun Lebede, o Ferreiro, aquele que cria, para que o Príncipe pudesse criar seu reino e sua Utopia. Lebede seria o centro, a parte do Príncipe orientada a grandes criações e grandes realizações, que mediaria a Fúria de Ajaká e a Sabedoria de Onirè.

E assim, depois de um trabalho bem feito, Ogoun depositou o pequeno Príncipe no ventre de uma sua serva, descendo do Orun e engravidando-a pessoalmente, o que não foi bem aceito por suas esposas Oyà e Yemoja. Quando o pequeno nasceu, Ogoun o escondeu no centro da Terra, já que o calor não o machucava e onde ele poderia se alimentar do leite que era produzido por Aiye, e que corria no fundo da terra escura, retirando-o de lá somente quando ele completou cinco anos, para que pudesse conhecer o mundo e crescer nele. Dizem que o Príncipe Caminha por Aiye, descobrindo a si mesmo e a sua missão, com o entusiasmo de uma criança que se tornará um grande Rei, o último Rei, o Filho de Ogoun e Shango, nascido de suas mãos e de seus corpos, forjado em Kekere Kiniun, Kibo e Mawenzi."

O filhote devorava cada palavra. Quando seu Baba terminou, a fumaça se dissipou, e a floresta voltou a circundá-los.

- Acha que eu o encontrarei um dia, Baba? Acha que poderei servir o Grande Rei?

O Ancião olhou para o filhote. Havia ternura em seus olhos.

- Espero, sinceramente, que você o encontre, Okan-Kiniun, filho de minha filha, Ti Yan Olorun.
Francesco de Anjou
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Qui Ago 23, 2018 9:59 am
Cresceu, pois crescem todas as coisas sob o Sol.

Cresceu e viajou o mundo, através do caminhos que eram abertos a ele por Esù. Peregrinou pela matas, florestas e montanhas, sempre em silêncio, sempre sozinho.

Uma vez, salvou uma aldeia de um espírito maligno que assolava a população. Ali era Onirè, o benfeitor, aquele que carrega a Justiça.

Outra vez, assassinou todos os homens de uma outra aldeia, pois tinham violado uma mulher. Era Ajaká, que impunha a Justiça com seus próprios meios.

Andou com homens e feras, mas não se vinculou a nenhum deles. Seu corpo havia se tornado masculino, grande e vigoroso, e com sua mão direita, que era a Mão de Ogoun, abria caminho entre os violentos e irrascíveis, que eram exatamente como ele, mas não tinham o direito de sê-lo, pois ele já era tudo aquilo.

A Mão Esquerda, aquela que guardava o segredo dos Ancestrais, ainda não tinha sido usada.

Criou grandes obras. Era, graças a Lebede, um construtor e forjador. Ensinou ao povo Ioruba, seu povo, a construir casas que os protegeriam da chuva e do vento frio. Deu lanças e flechas aos homens, com os quais podiam alimentar suas aldeias. Fazia o que fazia sem esperar nada em troca, sem exigir adoração ou tributo. Mas era, também, rápido em abater aqueles que violavam as leis criadas por seus Anciões. Okan não era um legislador, mas conhecia profundamente os costumes dos povos da região, e os reforçava onde quer que devessem ser reforçados.

Somente uma vez associou-se a outras feras, quando percebeu que não era forte o suficiente para por fim a um dos servos do Inimigo, uma entidade desconhecida e perigosa que habitava nos fundos de uma cachoeira. Outros gatos o ajudaram. Conjuntamente, empurraram a criatura de volta para as profundezas, não sem pagar um caro preço, a vida de dois dos guerreiros. Ao final, foi aclamado líder daquelas feras. Mas, recusou. Não queria ser líder de coisa nenhuma. Queria vagar pelo mundo, livre de responsabilidades e deveres, fiel somente à sua propria consciência. Nunca mais os viu.

Se alimentava da caça, mas somente da carne de machos de várias espécies, como era prática de Ogoun.

Os cães, que eram animais sagrados para o dono de seu Ori, por vezes o acompanhavam. Ele brincava com os cães, gostava da companhia deles.

Procurava dormir, quase sempre, nas montanhas, onde se sentia protegido.

Amou somente uma vez. Mas ele se foi antes que pudessem estar juntos. Naquela noite ele gritou e rugiu, desafiando as estrelas para um combate justo. Haviam levado seu irmão, amigo e amante. As estrelas jamais responderam.

Então, a face de Ogoun Ajaká ressurgiu.

Caçou até os confins da terra os assassinos de seu amado. Eram homens, aqueles. Dilacerou-os e banhou-se em seu Sangue, e desejou-se perder, para sempre, no esquecimento, viver como uma fera entre as feras, para sempre, distante da humanidade cruel.

Estava diante, naquela noite, da Grande Montanha, onde, segundo seu Baba que morrera já há muito tempo, existiam as forjas de Ogoun e Shango.

E resolveu alcançá-los e perguntar a razão de ter sido submetido a tanta dor, a tanta perda. Jamais havia conhecido o pai. Sua mãe morrera no parto. Seu Baba não mais existia e, agora, nem mesmo seu companheiro.

Subiu o Chilimanjaro, um grande leão de pelagem marrom escura, coberto de Sangue dos pés a cabeça.

E viu Ogoun.

Era um homem escuro e temível, com enormes dentes de ferro fundido e duas espadas enormes nas mãos. Brilhava em gloriosa força, o Grande Ferreiro, Rei de Ifé, wo ile sun, aquele que havia afundado na terra, mas jamais havia morrido.

Avançou, com fúria, contra Ogoun. O Orisha tocou-lhe a testa, demovendo-o de sua fúria, retomando o que era Seu, mesmo que apenas por um segundo.

E Okan viu. Viu ao que estava destinado.

Voltou à sua forma humana e chorou, compulsivamente. Quanto tinha errado! Seus guias jamais o haviam abandonado, haviam guiado todos os seus passos até ali.

Todas as batalhas no Norte, onde o Grande Rio levava vida ao Deserto. Ao Sul, nas misteriosas florestas. Ao Oeste, quando enfrentou o Inimigo diante do Grande Lago Salgado e mesmo no Oeste, quando a fúria do combate entre ele, seus aliados, e o Inimigo que vivia no fundo da cachoeira despertou montanhas de fogo na Ilha Esquecida. Havia girado toda aquela terra porque era seu dever conhecê-la, amá-la e respeitá-la. Havia servido a diversos líderes somente em razão de precisar conhecer suas falhas e arrogâncias. Havia visto o pior e o melhor do Homem, pois ele era tanto Onirè quanto Ajaká. Havia amado - e perdido - para que a história não se repetisse e ele não fosse distraído de sua missão.

E então, se ergueu, para perceber que ali também estava Shango. Com suas mãos de fogo, o Orisha marcou sua testa, assumindo compromisso com ele, assim como Ogoun já havia feito. Kawó-Kabiesilé.

Olhou para baixo, para as planícies e montanhas longínquas. Viu as feras que corriam, livres, pelo território, e exatamente por serem livres em demasia traiam suas tarefas e seus ofícios. Eram bons, mas perdidos.

Viu seu Baba.

Entendeu, enfim. Mas estaria pronto? Não desejava proclamar-se, mas desejava, imensamente, Criar.

Era pra isso que havia sido feito. Para Criar.

E o faria.
Sir Stephen de Cromwell
Sir Stephen de Cromwell
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Sex Ago 24, 2018 10:27 pm
*A loba estava deitada no caern em comunhão quando sentiu o vento, e algo nele a fez levantar as orelhas. Estava sussurrando para ela, e algo naquela voz a fez arrepiar os pelos. Aquela voz… Um matraquear incessável mas surpreendentemente melódico, que não escutava fazia tantos meses…*

Para a lágrima que comoveria até mesmo o coração negro de Malfeas:

Estou em Kiev. O velho Kovalenko tinha uma informação que eu precisava, mas em troca ele precisava de um favor, e uma coisa levou a outra e… Bem, o resumo é que estou trancado num depósito militar em Kiev, mas me preocupo com isso depois. Agora tenho tempo para finalmente responder com calma o que me perguntou na última Assembleia.

Você queria saber sobre os Outros, os que morreram na Guerra da Fúria, e foi quando vi aquele imenso homem-javali saído da Umbra que me dei conta de que não sabia absolutamente nada sobre eles, ou nenhum outro dos extintos, e você me conhece o suficiente para saber que o quanto isso me incomoda. Ao mesmo tempo eu não tinha uma resposta para uma pergunta sua, pela primeira vez, eu acho, e descobria um enigma novo, pronto para ser desvendado. Então transformei isso na minha nova obsessão, entre uma Demanda e outra, e cutuquei todo canto possível da Umbra, e procurei falar com todo espírito que consegui achar (e entender). Além disso, Asas-do-Abismo (se lembra dele?) me indicou um colega Mokolé que me diria o que eu procurava, sob a condição de que eu parasse de enchê-lo. Então, aqui vai o que descobri:

Vamos começar pelos Ápis. Eles eram os homens-auroque (auroque, veja bem! Chamei eles de touros para um espírito e eu juro por Gaia que ele quase me queimou vivo!), e sua missão era uma bem simples, mas vital quando se pensa: eram os casamenteiros de Gaia. Estranho, não? Mas eles tinham mágicas poderosas, que determinavam os parceiros ideais para cada pessoa, além de serem famosos por selecionarem os melhores pares, e as melhores linhagens. É um pouco irônico, porque eles faziam o que os humanos fazem com… bem, com gado.

Enfim, uma história em particular me chamou a atenção. No ocaso da Raça, há uns dois mil, dois mil e quinhentos anos atrás, vivia um grande guerreiro dos auroques, e quando eu digo grande, estou sendo literal. Ele aparentemente era imenso, e isso lhe rendeu o nome de Baluarte. E o pobre coitado parece ter levado o próprio nome a sério demais e, veja bem, estou repetindo o que me foi contado por um Espírito Ancestral, talvez ele próprio, porque ele realmente tentou ser uma fortaleza, sabe? Para sua família, sua Raça, para toda criatura de Gaia que aparecesse em sua porta em busca de conselho ou proteção. Ele ganhou fama como um grande viajante, pois por mais que seus talentos fossem o de um guerreiro, sua verdadeira paixão era servir como mediador. Ele viveu num tempo onde já se via a guerra no futuro, mas ainda dedicava cada fibra do seu ser para voltar aos tempos de antes. Ele educou filhotes Garou, viajou entre Grondr e Gurahl, frequentou (e morou) nas poucas seitas interraciais que ainda existiam, passou uma década viajando pela África, Oriente Médio e Grécia, na tentativa de sempre fazer com que os Ápis fossem visíveis, para encorajar os melhores casamentos e harmonia entre os povos de Gaia - era seu sonho, e sua razão de viver.



Você não pode me ver agora, mas estou olhando à minha volta, para mostrar que o sonho dele obviamente não deu certo. Mas ainda assim… Eu encontrei algo em um Reino Ancestral, e somado com o que ouvi do Mokolé que mencionei… Bem, talvez não tenha sido tudo em vão, sabe? Preciso te contar o resto da história dele, para saber se pensa no mesmo que eu. Para saber se eu não estou louco de achar que há uma esperança.

Mas preciso te contar essa história pessoalmente. E lhe garanto que isso será em breve.

C

Vano Horváth
Vano Horváth
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Sáb Ago 25, 2018 7:18 pm
Personagem: Addir de Gebal
Jogador: Pedro Augusto



O som do mar criava uma melodia suave e repetitiva, conforme a maré ia e vinha, chocando as águas nas pedras amareladas do porto. O estralar de madeira das embarcações que balançavam junto ao mar e o esgarçar das cordas de amarração se harmonizavam com as ondas, criando uma simples, porém bela, sinfonia.

Ali, sob a luz da lua cheia, um menino contemplava a sinfonia do Porto de Gebal.

Mesmo durante a madrugada, o maior porto da Fenícia ainda tinha movimento.  Pequenos barcos de pesca se lançavam ao mar, para aproveitar os cardumes que passavam nas primeiras horas da manhã. Marinheiros se divertiam, bebendo e jogando dados, suas gargalhadas cortando a noite e a música que o porto produzia. Alguns mercenários também quebravam o silêncio, cruzando de um lado ao outro, encarregados de fazer a guarda dos armazéns mais abastados.


Funda gebalense. Couro curtido de cabra. Munição de cobre. Letais se o usuário tiver boa mira.

Outros homens de arma se aproximavam de umas plataformas de atracagem. Uma embarcação estava chegando.

Lança-curta. Madeira de oliveira. Ponta de bronze. Eficientes quando arremessadas. Pouco úteis corpo-a-corpo.

O menino também vai se aproximando. Seu corpo franzino e pálido contrastava com os soldados que ali se aglomeravam. Suas roupas, típicas de alguém de origem abastada, também. Ele olha, no horizonte, o navio que retorna à Gebal.

Fazia um mês que não via seu pai, um dos grandes mercadores da cidade. Os homens que se aglomeravam ali eram sua escolta de recepção. Esse era um ritual comum: aguardá-lo no retorno, junto aos soldados. Igualmente comum eram os longos períodos em que viajava, navegando pelo Mediterrâneo até o Egito. Gebal se tornava o principal entreposto comercial entre as grandes cidades na costa da África e aquelas que surgiam às margens do Mar Egeu.

Papiro. Era o que seu pai costumava trazer. Foi o que o ajudou a construir sua fortuna.


Mas não eram papiros que realmente interessavam o menino.

O navio atraca. Não há mais silêncio no porto. A sinfonia é substituída pela cacofonia de sons: madeira rangendo, homens gritando e palavras de ordem sendo ditas. As cordas são lançadas e a embarcação começa a ser amarrada.  Conforme os soldados entram na embarcação, marinheiros começam a desembarcar a mercadoria. Logo, o menino consegue ver seu pai, ainda no convés. Era um homem grande, corpulento e sorridente. A barba era espessa, adornada com jóias opulentas. De longe, ele sorri para seu filho, que retribui apenas com um frio aceno de cabeça.

Era estranho. Não tinha mais tanta saudade do pai. Ela existia, claro. Só não era tão... intensa?

O que aconteceu em seguida foi rápido.

Um zunido cortou o ar.

Um barulho surdo, de algo pesado, fez-se ouvir no navio.

Rapidamente, marinheiros e soldados começaram a correr e gritar, desordenadamente. Eram como formigas em um formigueiro destruído. Estavam divididos entre se abrigar e procurar de onde veio a flecha. Mas apenas uma havia sido disparada.

O menino cruza a multidão de homens perdidos e entra no navio. Seu pai estava no chão, com a flecha em seu peito. O sangue escorria por seu peito, manchando suas roupas brancas de carmesim. Respirava devagar, fazendo um esforço descomunal. Não sobreviveria.

Seu filho de aproxima, ajoelhando-se ao seu lado. O jovem não esboçava nenhuma reação. Era frio. Com as duas mãos, ele segura a haste da flecha e a remove com um único movimento.

O pai grunhe de dor, mas ele parece não se importar. Toda sua atenção se volta para a flecha. Estava fascinado. Segurava-a como se fosse um objeto sagrado. Sentia que era um objeto sagrado.


Flecha. Origem desconhecida. Haste de oliveira. Ponta de bronze. Penas de ave desconhecida. Mortal. Matou um homem rico, que deixa apenas um filho órfão.

Olha então para seu pai, que estava nos últimos momentos de vida. Em um movimento que lhe pareceu muito estranho, dá um último beijo na testa do pai e se levanta.

Volta a contemplar a flecha, com reverência. Com uma das mãos, limpa o sangue que estava na ponta. Leva a mão a boca e lambe o líquido vermelho. Também não sabe porque o fez, mas isso não lhe pareceu estranho. Ao contrário, foi um movimento... natural.

Ele é levado para casa, onde os criados de seu pai o serviriam e se esforçariam para acalmá-lo. Desnecessário, claro. Ele estava calmo desde o início.

O que o perturbava era a flecha. Estava obcecado com ela. Desde pequeno que se fascinava com armamentos, mas a flecha era diferente. Ela havia sido usada. Ela cumprira seu propósito neste mundo. Todos os acontecimentos em uma cadeia lógica haviam se sucedido até ali. Até o momento em que a flecha entrara no coração de seu pai... A flecha fora criada para isso. Um artefato criado pelo homem que, finalmente, atingira seu estado de perfeição.

A flecha que matou seu pai seria a primeira de sua coleção.

Naquela mesma noite, o menino foi perturbado por uma série de pesadelos. Estava no centro de uma teia. O cadáver de seu pai estava abaixo de si, e dele saiam centenas, não, milhares de aranhas. Elas subiam a teia em direção ao menino, em um movimento cadenciado, como se fosse uma dança. Todas iam até sua boca.

Acordou. Um dos criados já estava em sua porta. Dizia que um viajante chegara, alegando ser irmão de sua mãe. Nunca conhecera sua mãe.

Seu mais novo tio dizia que era hora do menino conhecer o resto da família.


***

Acordou. Sonhava recorrentemente com aquela noite. Não era mais o menino de 13 anos que assistiu a morte do pai. Desde então, 10 ciclos haviam se passado. Era agora Addir de Gebal, Wyrsta dos Tenere, e havia herdade o império comercial de seu pai.

Mas algo mais havia mudado. Não enchia os navios de sua família de papiros. Eles agora cruzavam os mares do Mediterrâneo carregados de artefatos de guerra. Armamentos de todos os tipos. Onde quer que existisse alguém com desejos bélicos, lá estaria Addir.

Não o fazia pelas riquezas, obviamente. O fazia para manter a Simetria. Para manter a Ordem. Tudo sob os desígnios da Rainha e tutela do Oráculo.

Naquela manhã, contudo, sentiu algo diferente ao se levantar. Sentiu um chamado. Mais uma vez rumaria ao Egito, mas dessa vez não seria para comprar ou vender mercadorias. Sua família o convocava.


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