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Qui Set 13, 2018 7:06 am
A Cidade Sagrada de Tebas se erguia a alguns quilômetros de distância de Atenas. Atenas, a gloriosa, era o centro vivo de Héllas, mas jamais havia tido uma história tão grandiosa quando a Tebas de Cadmo e Édipo, de Laio e Polidoro. Tebas, que se erguia em uma planície cercada de imponentes montanhas que serviam como muralha natural. Tebas, que havia sido criada, ainda que indiretamente, pelo grandioso Oráculo de Delfos. Tebas que cumpria suas obrigações para com seus suseranos Persas, sentindo-se orgulhosa de fazer parte do maior Império do mundo. Sua nobreza antagonizava aquela de Atenas e sua proeza militar, sintetizada no Bando Sagrado, rivalizava com a potência de Esparta. Sim, Tebas tinha um lugar muito claro no mundo e na ordem das coisas.

A cidade espalhava-se pela planície, seus templos brancos e imaculados erguidos em homenagem a Apolo e Artemis dominavam a paisagem. Dominavam parte do Mar Egeu, comercializando com egípcios, persas e fenícios e enriquecendo no processo. Tebas era arrogante e elitista mas, ao mesmo tempo, acolhedora e justa. Sua beleza era cantada em canções por toda a Hélade e seus portões eram frequentemente frequentados por refugiados de outras cidades gregas mais violentas, como Esparta ou menos inclinadas à convivência pacífica, como Atenas.

Foi aquele lugar que Enki, Filho de Loz, escolheu como sua morada. Zena, que preferia o Norte, não estava com ele. Sua outra progênie, Kocszecsyku, ocasionalmente fazia morada ali, como era o caso naquele período específico. Enki não governava Tebas. Ao menos, não diretamente. Limitava-se a observar os acontecimentos entre os mortais, cuidando de seu rebanho como um Pastor cuidava de suas ovelhas. Era ciente das forças poderosas que rodeavam a cidade, expressas em seus primos mas também na ocasional presença de Arikel, Mãe do Clã da Rosa.

Muito Tebas havia dado a Enki. Insights sobre sua natureza e suas capacidades, sobre filosofia e ciência. Vizinho ao Oráculo de Delfos, o frequentava em ocasiões especiais, intrigado pela natureza das Sacerdotisas que ali dançavam e eram agraciadas por visões. Elas nunca, porém, haviam se aproximado dele, mas não negavam palavras de conforto e avisos sobre eventuais perigos. Eram feiticeiras? Eram parte do povo fada? Não sabia, mas a dúvida o estimulava como sempre.

Loz havia visitado, uma vez, Tebas. Admirou-se genuinamente. Depois, partiu novamente.

Não existiam cultos em nome de Enki. Nem em nome do Senhor do Abzu. No entanto, os mortais sentiam sua presença e, em algumas noites mais místicas, aqueles de inclinação mais mística sonhavam com o Filho de Loz. O identificavam, talvez erroneamente, talvez com uma certa sabedoria, com o Poseidon adorado pelos povos da Hélade. E para aqueles que identificavam as duas entidades como a mesma, não havia nada de errado em adorar Poseidon usando estátuas de pedra do Senhor do Abzu. A Hélade era, afinal, uma fusão entre vários povos.

Quando a mensagem chegou, Enki observava as estrelas, realizando um mapa delas. O papiro, de fato, tinha sido uma invenção genial. Ao seu redor, místicos e filósofos, ignorantes da sua verdadeira natureza, trabalhavam em outros tratados e descobertas. Era um templo dedicado ao Deus Hephaestus, local onde a sabedoria e o conhecimento se acumulavam. Concentrado, Enki demorou a sentir, no ar, um ligeiro perfume de rosas silvestres, típicas da região onde se encontrava o Oráculo de Delfos. Era um chamado. Respeitoso e temeroso, como havia sido a relação de Enki com o Oráculo ao longo de séculos. Mas, ainda assim, um chamado urgente.
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Sex Set 14, 2018 3:41 pm
*Escorpião.*

*Ele havia visitado Khemet, que os gregos agora chamavam de Egito, e ficara fascinado com a forma como os eruditos do Clã da Fé catalogaram as constelações do céu e as associaram aos seus companheiros do sangue. Havia sabedoria nos astros, e isso era claro pela forma como a lua e as estrelas empurravam e puxavam suas marés. Ele termina de desenhar o Escorpião, o agrupamento de estrelas atribuído ao seu Clã, e fica em contemplação. A sabedoria das estrelas era inegável, mas seu acesso era imensamente mais complicado. Talvez em um século ou cinco conseguisse extrair algo de útil deste estudo. Ele dobra o papiro. Tinha de reconhecer que os mortais encontravam propósito em suas existências efêmeras ao deixar suas invenções como legado para o mundo. E o papiro era uma delas. Mais fácil de armazenar e de se preservar do que pele humana, embora mais difícil de se conseguir.*

*Foi quando ouviu o chamado. Irônico, pensava, quando era o Oráculo quem supostamente lia as estrelas. Ele sente em seu âmago a vontade de responder a mensagem. A vontade de saber a urgência. Porque após tanto tempo, Enki sentia uma coisa lhe dando propósito. Talvez o ponto em comum que lhe permitisse ser amigo e aliado de um cainita tão diametralmente oposto em valores quanto Ya'rub  Ban Qatani.*

*Enki era movido pela Curiosidade.*

*Ele deixa o templo e se dirige até um penhasco à beira do mar. Consegue ouvir as ondas, e sentir o vento no rosto. E logo, ele era o vento. O Oráculo teria sua visita em breve.*
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Sáb Set 15, 2018 5:45 am
Enki cavalga o vento salino e repleto de histórias. Seu corpo etéreo passou velozmente por bosques, planaltos e pequenas colinas, sempre em direção ao Oeste, sempre em direção a Delfos. Eram séculos que havia se estabelecido em Tebas, A Orgulhosa, e sua relação com o Oráculo vizinho era ambígua. Enki sabia que os mortais, plebe e aristocratas igualmente empreendiam longas viagens até aquele local, em busca de conselho e vaticínios que lhes permitissem prever as vicissitudes da vida. O Oráculo não era aberto à visitações dos aristocratas mas poderia ser alcançado somente com um convite expresso. A plebe, contudo, tinha acesso livre ao local. Os grupos de nobres que, regidos pela prepotência e arrogância tentavam encontrá-lo tinham dificuldades para fazê-lo, perdendo-se em bosques fechados e cavernas escuras. Frequentemente relatavam uma forte sensação de desorientação e confusão quando se aproximavam de Boeotia, região central onde se pensava que o Oráculo estava localizado. Mais de um grupo havia desaparecido ou sido devorado pelas feras da floresta.

Enki, por sua vez, nunca havia sido convidado ou convocado. Sabia que o Oráculo de Delfos tinha ciência de sua existência em Tebas, pois uma entidade da idade e poder de Enki brilhava como um farol aos olhos mais sensíveis. Além disso, era um dos dois únicos cainitas residente em Tebas, sendo a segunda Lamia, Progênie de um certo Lazarus, que era Progênie de Laodice. Esta era de natureza reclusa, tendo encontrado com Enki somente em razão de conflitos menores nos quais Tebas se envolvia. Não obstante tudo isso, Enki frequentemente sonhava, e sabia que a voz feminina que escutava era a voz do Oráculo de Delfos. Não trazia mensagens urgentes ou grandes vaticínios. Tais sonhos diziam respeito, em geral, à expansão de Tebas. O Oráculo mostrava a Enki, através de Sonhos, locais sagrados nos quais a cidade não deveria se expandir, e requeria sua ajuda para refrear o ímpeto expansionista da aristocracia Tebana assim como para preservar tais locais sagrados.

O Oráculo era uma instituição. A maior de todas elas, com poder para começar e encerrar conflitos. Havia dezenas deles espalhados pela Hélade, mas o de Delfos era o mais antigo e mais impressionante, além de ser o mais acurado. Servia a todas as cidades, Atenas, Esparta, Corinto, Mileto, Tebas e Micenas sem distinção, sem escolher um lado. Era comum, também, que os encontros entre os cainitas da Hélade, quando diante de um assunto muito sério ou de uma ameaça militar acontecessem ali, dado que o espaço era considerado neutro. Não exatamente na colina que abrigava o Oráculo, mas nas pradarias abaixo desta, um lugar que com o tempo ficou conhecido como Campo Elísio, ou somente Elísio.

E então Enki voou, mesclado ao ar quente de verão da Hélade. Sua consciência deixou-se vagar pelos milênios que haviam passado, por inúmeras lembranças e saudades. Há quase setecentos anos não encontrava Loz, seu Senhor, de quem tinha perdido todos os traços. Somente um leve pulsar permanecia vivo em seu Sangue, o pulsar ao contrário que o vinculava ao Pai.

Cessou sua viagem quando visualizou o templo circular sobre uma colina solitária. Era de médio porte, uma estrutura circular composta somente por altas colunas mas nenhum teto. No centro destas, uma estrutura de granito repleta de fissuras era o local onde as sacerdotisas e sacerdotes de Apolo, liderados pela Grande Sacerdotisa Pítia executavam seus rituais e obtinham suas visões. O topo da colina era nu, sem árvores, somente uma grande pedra oval chamada Ônfalo, ou o Umbigo do Mundo, repousava diante do Templo. Aquele, segundo o Culto de Zeus, era o centro da Terra.

A lua cheia estava fixa no céu, com uma leve coloração amarelada quando Enki voltou a se materializar aos pés da colina. Estava cercado por árvores retorcidas e pelo silêncio tumular. Somente um ruído interrompeu a calmaria: o balir de uma ovelha. Mais no alto da elevação que levaria o cainita até o Templo estava uma mulher. Sua aparência etérea, acentuada pelo vestido diáfano de cor avermelhada e pés descalços, assim como pelos longos cabelos negros e encaracolados que contrastavam com sua pele demasiadamente branca deu a Enki a certeza de que se encontrava diante de Pítia, máxima autoridade do Culto de Apolo. Ao lado dela, deitada na relva, repousava uma ovelha impossivelmente branca. A mulher olhou para Enki e sorriu, um sorriso discreto e elegante, cheio de mistérios. Seus olhos azuis eram faiscantes como o céu matutino que Enki não via há mais de três milênios. Ela olhou fixamente para o cainita antes de fechá-los.

- Eu o saúdo, Enki, Senhor do Abzu e do Mar Egeu, Filho de Poseidon e Nyx. Os Mistérios de Delfos são teus para serem desvendados. A Grande Noite se aproxima. Mas a mensagem para ti não vem de mim, senão de Apolo em pessoa.


A Sagrada Tebas Sacerd10

Pítia, Sumo-Sacerdotisa de Apolo.
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Ter Set 18, 2018 2:30 am
*O templo, e atrás do templo, o monte. Parnasso, era chamado, e algo nele atraía Enki. Talvez toda montanha o fizesse. Aqui, mesmo com toda a distância, ouvia o leve sussurro de Kupala, pai, irmão e avô.
Ele não pode evitar senão ignorar a sacerdotisa, entretido e encantado pela música cantada pela montanha e o vento. Quando se dirige à pitonisa, é com um sorriso no rosto.*


-"Eu saltei sobre o navio veloz na forma de um delfim, rezem a mim como Apolo Delphinius; também o próprio altar será chamado de Delphinius, e vigiado para todo o sempre.".

..

-Eu ouvi estas palavras ditas em verso há muito tempo. E ainda assim me é curioso que o Delfim, o Deus do Sol me queira em seu templo. *Enki ri, uma risada desconcertante, mas ainda assim curiosamente melódica.*. Ele tende a não gostar quando eu adentro em seus domínios. Em verdade, mais de uma vez ele mostrou extremo desprazer ao me ver em pessoa. E ainda assim, aqui estou.

*Ele se aproxima, ficando na sombra do Ônfalo. Entre a luz suave da lua, as sombras noturnas e os vapores místicos, pouco se via além do vulto de Enki. Seu vulto e o brilho escarlate de seu olho direito.*

-Mas cá estou, filha da Grande Serpente. Tens minha curiosidade e meus ouvidos - e eu ouvirei a mensagem do Arqueiro do Sol.
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Qua Set 19, 2018 6:07 am
- Apolo é incapaz de sentir desprazer. Seria um paradoxo na sua existência. O que ele sente, ocasionalmente, é pena.

Pítia deu as costas a Enki, fazendo sinal para que ele a acompanhasse. A ovelha levantou-se e a seguiu placidamente em direção ao topo da montanha. Nada mais disse a mulher, apenas caminhou diante de Enki, abrindo caminho para que o cainita a seguisse. Caminhava lentamente, dando a Enki a oportunidade de ver, do local onde se encontrava, a beleza dos prados, das oliveiras e do mar. Era bela, a Hélas. Era cheia de contradições, mas as belezas sobrepujavam este aspecto. Além disso, não eram as contradições o motor da evolução, da mudança?

Alcançaram, depois de pouco tempo de caminhada, uma plataforma no meio do Monte Parnaso. Ali, nada havia além de uma árvore seca e retorcida cujos troncos e galhos lembravam formas humanas femininas fundidas, como se tivessem sido trabalhadas com os dons da Família de Enki. A montanha continuava, mas o solo apresentava fissuras de onde escapavam, de tempos em tempos, vapores intensos e com um leve perfume de enxofre. Pítia se deteve ali, enquanto a ovelha continuou sua caminhada em direção às fissuras. O animal estacou e inalou os vapores, caminhando tropegamente, em seguida, em direção a Enki. Se deteve diante de seus pés. O cainita teve a impressão de que rostos começavam a surgir na árvore ressequida.

Foi Pítia quem quebrou o silêncio.

- Beba do Sacrifício. Beba, e ouça as palavras de Apolo.
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Sex Set 21, 2018 3:01 pm
*Enki segue a Pitonisa, sua audácia e sabedoria o deixavam intrigado. Conforme fazem a caminhada, conversam, e Enki sacode a cabeça e ri.*

-Um deus sem desprazer. Hah... Ó, criança, realmente sabe muito em seu mundo, e pouco fora dele. Apolo é um deus jovem. Sim, ele não sente desprazer. Vive feliz com sua lira, seu arco e seus remédios. O desprazer que me é dirigido vem de uma entidade mais antiga, mais orgulhosa, mais... furiosa. A biga que seu deus conduz pelos céus é apenas um canalizador, nada mais.

*Quando chegam até a plataforma, Enki se demora um pouco observando o monte e a vista, até que para diante da curiosa árvore e a sente com a mão antes de se voltar à ovelha. Ele observa o animal cambaleando enquanto afaga seu dorso e sussurra palavras tranquilizadoras... Até que, com uma mão, o ergue e crava as presas em sua garganta.*
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Sáb Set 22, 2018 5:46 am
Bebeu da ovelha, mas o fez com os olhos abertos. Pítia o encarava, sustentando o seu olhar. Atrás dela, a árvore ressequida se movia lentamente, como se estivesse se retorcendo ao redor de si mesma. Bebeu, e o mundo começou a se tornar turvo e indistinguível, com uma cacofonia de rumores que invadiam sua mente. Bebeu até o fim e quando deixou cair a ovelha seca no chão, sentiu como se o seu próprio corpo se chocasse contra o solo. Tudo estava escuro. E então, ela veio.

A luz. Do Sol.

Enki estava deitado na relva, com o inclemente sol do meio dia sobre a sua cabeça e sobre a sua pele. Seu primeiro instinto, obviamente, foi aquele de cobrir-se, proteger-se com as mãos. Entendeu rapidamente, contudo, que não sentia o Medo Vermelho em sua alma. Era claramente uma visão, e Enki sabia disso. Não sentia sequer o calor de Apolo. Sentia, na verdade, um frio intenso, além de uma nítida separação do mundo que via. A relva se localizava em uma pequena colina diante do mar, e sobre este fulgurava o sol. O cainita não ardia em chamas, mas tampouco sentia estar realmente sob o sol, depois de milênios de escuridão. Não obstante, a visão deste no céu era impressionante e, em certa medida, emocionante. Enki não se recordava mais como era o mundo sob a luz. E ali estava ele, intenso, desafiando a maldição d'Aquele Acima. Pìtia não estava em nenhum lugar;

Não conseguia levantar-se. Era como se seu corpo estivesse pregado ao solo, um peso imenso e invisível mantendo o cainita imóvel. Os olhos, voltados para o céu, viram o sol se aproximar como se desejasse superar o frio e queimar Enki até as cinzas. Não aconteceu, porém. O sol se deteve em seu avançar, uma bola de fogo imensa a flutuar no céu claro. Aves voavam sobre Enki, e suas trajetórias formavam um padrão. Eram claros à mente do cainita.

Alguém que ele conhecia, estimava, seria destruído em breve. As aves faziam movimentos funestos, suas pequenas sombras eclipsando o sol. Uma ave retardatária se lançou sobre aquela que liderava o grupo, abatendo-a. Caíram ao lado de Enki, que ainda não conseguia se mover. O cainita observou enquanto a atacante devorava as entranhas da antiga líder. A ave mais velha gritava em agonia, uma agonia que calava fundo na alma de Enki.

Com a morte da mais velha, a ave mais nova subiu aos céus, e passou a guiar as outras, que até então circundavam Enki, em direção ao cainita. Puseram-se ao redor dele e, de forma sincronizada, passaram a rasgar sua carne e mordiscar seus ossos com os bicos afiados e serrilhados. Enki continuava preso no chão, diante do mar. Em um dado momento, seu corpo flutuou sobre o mar. Agora, as aves bicavam violentamente suas articulações, rompendo-as e dividindo o corpo de Enki em dezenas de pequenos pedaços que, sendo lançados ao mar, flutuavam como pequenas ilhas. Ele ainda conseguia ver a velha ave, morta sobre a relva, e de suas entranhas a Escuridão avançava sobre o mundo. Apagava o sol. O mar. Apagou mesmo as ilhas que agora eram Enki. Apagou tudo.

Enki se viu deitado no chão. Diante dele, de pé, Pítia o observava atentamente. Olhou uma última vez para a árvore retorcida, que estava imóvel. Sua fronte estava molhada com uma fina camada de Sangue.
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Dom Set 23, 2018 1:40 am
*Enki berra, urra. Seu grito corta a noite calma por quilômetros ao redor. O frio inclemente que sente ao ser perscrutado pelo sol some quando é dilacerado pela águia, e os urros aumentam a intensidade. Não são de dor. São de medo.*

*A visão termina, mas a agonia de Enki não.*


-EU VEJO VOCÊ!

*Deitado no chão, começa a se contorcer, até que se liquefaz em sangue. E mesmo assim não fica imóvel. Sem uma boca, os gritos cessam, mas a poça de sangue se contorce, como se fosse viva. Ora em puras espirais de agonia, ora em letras incompreensíveis, até deslizar como uma serpente e se reformar no corpo de Enki.*

*Ele jaz novamente no chão, ofegante. Ao passar a mão na testa, vê a fina camada de sangue rosáceo que estava em sua pele. Há quanto tempo não sentia isso? Notável... Após alguns minutos no chão, em silêncio, ele se levanta, e encara a Pitonisa.*


-Diga-me, filha da Grande Serpente... O que você vê quanto teus visitantes recebem a mensagem de seu deus? Esta é uma tapeçaria caótica, e eu posso precisar de ajuda para desenredá-la.
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Qui Set 27, 2018 11:06 am
Pítia sorri, o sorriso enigmático típico dos Oráculos. Encara Enki, que se recuperava, antes de responder.

- Vejo muito pouco. As mensagens de Apolo são destinadas somente àqueles que tem necessidade de ouvi-las.

Caminhou, lentamente pela plataforma, aproximando-se da árvore ressequida. Passou as mãos pelos galhos escuros com uma certa devoção. Enki teve a nítida sensação de que as formas femininas na árvore se tornavam mais evidentes. Súbito, uma ideia percorreu sua mente, talvez nascida ali, talvez induzida. Todas as mulheres que haviam servido como Pítia estavam ali, fundidas, eternizadas no santuário máximo de Apolo.

- Mas você deseja saber o que vi?

A voz da Pítia o retirou de seus devaneios.

- Eu vejo a guerra, Filho de Nyx. Eu vejo a destruição total e completa desta península, de tudo o que ela representa, de todos os ideais que foram desenvolvidos aqui. Vejo a grande águia persa escurecendo o mundo com sua dominação impiedosa. Tebas arderá até as cinzas. Atenas arderá até afundar no mar. Esparta cairá sob os próprios guerreiros. É isto o que eu vejo.

Caminhou na direção de Enki. Quando o fez, se movia de forma diversa de antes. Era um passo mais forte, decidido. Mais masculino, até. Se aproximou e tocou o queixo de Enki com a mão esquerda, olhando no fundo dos olhos do vampiro. No fundo dos seus havia uma tênue luz dourada.

- Eu vejo uma outra mensagem de Apolo para ti. Mais íntima. Mais pessoal. Aquele que esperas não compartilhará de teu Sangue.

Piscou os olhos velozmente. Um filete de sangue escorreu da sua narina esquerda. Parecia, subitamente, cansada. Enki não teve tempo de pensar ou interpretar o que disse a pitonisa. Sentiu, no fundo da sua mente, um pedido de licença e de abertura. Era uma força familiar, antiga como ele, mas com a qual ele não tinha tido nenhum encontro ao vivo nos últimos milênios.

Era Mi-Ka-Il. Ou Beshter, como seu espírito gostaria de ser chamado agora.

"Eu o saúdo, Enki, Filho d'O Estrangeiro. Me comunico contigo estando fisicamente em meu refúgio em Creta. Gostaria de falar-te pessoalmente. Posso ir a Tebas ou tu podes vir até Creta, se for de teu desejo. O importante é que o façamos breve."

Enki sabia que Beshter havia se estabelecido na ilha de Creta, o local que fora escolhido como seu refúgio ainda nas noites da guerra contra Mashkan. O Filho da Rosa se comunicava pouco com Enki e com a Hélas, mantendo-se isolado em seu refúgio ultramarino, local que governava com mão de ferro. Naquele momento, porém, suas palavras tinham um nítido tom de urgência.
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Sex Set 28, 2018 12:29 am
*Enki sorri. Ri e gargalha, um som rouco e áspero quando escuta a visão de Pítia.*

-Notável, notável. Seria interessante ver esta península sob as asas da guerra? E Pérsia? Melhor ainda. Sinto saudades de Daharius, e seria bom vê-lo de novo.

*O semblante dele, porém, muda ao ouvir a mensagem de Apolo. O Moldador fica imediatamente sério, contemplativo, e sequer muda de expressão enquanto a sacerdotisa desfalece à sua frente. Mas ainda assim não pode se concentrar na nova revelação. A mensagem de Beshter acaba distraindo-o.*

-Que você se digne a entrar em contato comigo, ainda mais sinalizando urgência, filho da Rosa, é motivo o suficiente para despertar minha curiosidade. Guie-me Para onde estás, e nos encontraremos ainda esta noite.
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Sáb Set 29, 2018 5:47 am
Beshter mantém o vínculo com Enki, permitindo ao Filho de Loz que entendesse como chegar ao seu refúgio. o Antigo despede-se de Pítia, que havia se recuperado do sangramento. Só então Enki notou algo curioso: não sentia o perfume do Sangue da Pitonisa. Era como se fosse água. Antes que o cainita recomeçasse sua viagem, a Pítia fez um último alerta. Seus olhos ainda brilhavam levemente.

- A grande Sombra, aquela que comanda a Pérsia. Na noite em que ela cair, a Hélas cairá junto. Tenha em mente este fato.

Após responder e despedir-se adequadamente, Enki se concentra. Seu corpo perde substância velozmente, primeiro tornando-se ligeiramente transparente antes de desaparecer no ar, fundindo-se ao vento circundante. O Antigo eleva-se no ar, enquanto a Pítia o observa. Ainda que não pudesse vê-lo, era como se ela o olhasse diretamente nos olhos.

Enki se lança, então, ao mar noturno. Sentia que Beshter o guiava em direção a um ponto específico de Creta, então deixou-se conduzir pelas impressões de seu primo. O mar estava calmo naquela noite, quase silencioso. Fazia frio, mas Enki era o vento. Cruzou léguas de mar, até que a Hélas desaparecesse no horizonte atrás dele. Após uma série de minutos voando sobre o mar aberto, o contorno da Ilha de Creta se desenhou no horizonte oposto.

Enki sabia que aquela era a morada de Beshter, Filho de Arikel. A ilha detinha um estatuto especial junto ao império, como importante cruzamento comercial que era. Tinha sua autonomia ainda mais respeitada que aquela grega, além de deter um pequeno, mas eficiente, grupo de guerreiros que obedeciam às ordens de Beshter.

Sobrevoou a Ilha, ainda guiado pelo espírito de Beshter. Foi conduzido, assim, até a região norte da ilha, onde algumas colinas aglomeradas observavam o mar escuro. Entre elas, um pequeno templo antigo se destacava. Tinha forma circular e teto baixo, sustentado por uma série de colunas. Ao redor, um bosque bem cuidado encobria parte do terreno do templo. Enki viu, ainda, uma espécie de guarda que cuidava dos arredores. Eram homens fortes, de expressão austera. Razoavelmente diferentes dos povos da península.

Beshter conduziu Enki através das colunas, passando pelos corredores iluminados pela luz da lua e pelas passagens escurecidas e esquecidas do local, até que alcançasse uma sala retangular no subterrâneo, apenas um pouco abaixo da superfície. Ali, encontrou Beshter. O Antigo repousava, sentado em um tapete visivelmente fenício. Havia incenso no ar e escravos ao redor, que pareciam concentrados em assuntos teóricos, dados os papiros que detinham em mãos e às discussões que levantavam. O local era iluminado pela luz da lua, que entrava através de buracos no teto e nas paredes, e era conduzido a pontos específicos com a ajuda de metal polido. Havia, também, tochas protegidas por gradis. Todo o lugar cheirava a flores recém colhidas, e algumas delas estavam espalhadas em vasos pelos cantos. Antes que Enki se materializasse novamente, Beshter se ergueu e os escravos deixaram de discutir, fazendo com que o salão caíssem em um silêncio profundo. Continuaram, no entanto, seus afazeres.

Incrivelmente, Beshter havia se tornado ainda mais belo do que nos tempos de Nippur.

Seu rosto era uma máscara de giz, perfeita e atemporal. Enki teve a impressão de que Beshter seria belo não importasse qual fosse a concepção de beleza que existisse. Seria belo eternamente, infinitamente. Beshter não tinha nenhuma ligação com a Mudança, mas sua existência não era um desafio menos: manter-se intacto, atemporal, enquanto o mundo muda rapidamente ao seu redor era também um desafio.

O anfitrião esperou que Enki se materializasse. Escutou sua saudação e a retribuiu, antes de falar. Sua voz era a mesma, a voz demasiadamente jovem de alguém que foi Abraçado na tenra idade. Beshter devia ter não mais de dezessete anos quando aconteceu.

- Agradeço imensamente a tua presença, Enki. Não era meu desejo afastar-te de teus afazeres mas, após muito pensar e interpretar os augúrios que tive nas últimas noites, me pareceu necessário encontra-lo. A guerra se aproxima a passos largos da península que chamas de casa. Dentro de pouco tempo as forças do Império começarão a se mover.

Beshter se aproximou. Era ainda mais belo, mais perfeito de perto.

- Eu não tenho nenhum interesse em participar deste conflito. Eu não tenho nenhum interesse em participar de nenhum conflito, ao menos por agora. Sei que membros da minha família se opõem diretamente aos persas, a exemplo de Helena de Micenas. Sei também que Tebas talvez seja a mais ponderada das cidades da Hélas, entendendo que enfrentar o Império pode significar um caminho sem volta. Por isso o meu interesse em encontrar-te.

Fez uma pausa, como se o que estivesse prestes a dizer lhe fosse particularmente doloroso.

- Eu escolhi deixar a região nas próximas semanas. Permanecerei, por um tempo, para observar o desdobramento dos eventos. Se a guerra se confirmar, eu partirei em direção ao Oeste, encontrando um novo lugar. Talvez a tão falada Roma, onde alguns de nossos primos se congregam. E é por isto que solicitei tua presença. Em minha ausência, devo entregar a minha Autoridade sobre esta ilha. E não consigo pensar em nenhum outro cainita mais equilibrado do que você. Tenho amor por este lugar, por seu povo e por seus costumes, o mesmo amor que acredito que tenhas por Tebas e que acredito que guiará as tuas decisões diante do conflito.

Olhou nos olhos de Enki. Havia uma sombra no fundo dos olhos azuis.

- Além disso, existe uma outra coisa. Nosso inimigo, nosso verdadeiro inimigo caminha nas entranhas do Império, espalhando mentiras e incitando a guerra. Tenho razões para acreditar que a influência dele sobre Urlon de Uruk seja já maior do que o que pensamos. Ainda não sei o quanto este acirramento é devido à sua influência. Mas se não agirmos de imediato restará pouco da Hélas e do próprio Império. Tua amizade com Daharius cruzou os milênios. É preciso alertá-lo.


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Dom Set 30, 2018 2:37 am
*Enki aterrissa no palácio de Beshter como um redemoinho, assumindo a forma humana e fazendo o vento cessar. Ele observa o ambiente à sua volta, por um momento, e curva a cabeça em respeito ao seu anfitrião.*

-Meus agradecimentos pelo convite, Beshter, e por sua hospitalidade. É bom vê-lo novamente, e também é bom ver que está ainda mais belo do que nas noites de Nipur. Certas constâncias, afinal, são boas.

-A noite segue cheia de revelações, e não podia deixar de ouvir o que tem a dizer. Tenho certeza de que vir aqui não será uma perda de tempo.

...

*Quando o Belo fala sobre a Guerra, Enki observa as mãos, distraído, e enquanto responde, limpa uma sujeita inexistente das unhas.*

-Guerra... Guerra sempre vem. As poleis amam a guerra. Espartanos treinam seus mancebos contra lanceiros argivos. Tebanos se digladiam com micênicos, atenienses visitam a Magna Grécia e Ásia Menor com ferro e fogo...  E os persas? Estes aquemênidas são grandes, sim, mas bebês. São os mais novos de uma linhagem antiga, mas não são os primeiros. E não serão os últimos.

-E você está muito certo em não querer participar do confronto. Eu não quero. Não me significa nada. E se toda a península queimar? Paciência. O mundo é grande, e encontrarei outras terras.

*Ele começa a encarar Mi-Ka-Il. Não está irritado, mas parece visivelmente incomodado com a parte seguinte de sua fala.*

-Eu amo algumas coisas em minha existência, meu caro, mas Tebas não é uma delas. É um lugar confortável, sim. Há linhas telúricas ali que eu me disponho a ver protegidas, mas é isto e apenas isso. Nada está a salvo da mudança. Nenhuma pólis. Nenhuma nação.

-Nenhuma folha cai em Tebas sem meu consentimento, mas eu escolho não exercer esta autoridade. Entende? Eu escolho não me importar, porque minhas preocupações são outras. E se nossos primos preferem gastar sua imortalidade brincando de quem é o rei do monte, não cabe a mim julgá-los. *Ele dá um  meio sorriso.* Eu não sou, afinal de contas, um dos Banu Haqim.

-Eu lhe agradeço pelo convite, pela conversa e pelo aviso, primo, mas não tenho nenhum, zero interesse em me manter em sua ilha. Viaje para Roma, se quiser. Para a Hispania, para o mar além. Pouco me importa.

*Enki dá de costas ao filho da Rosa, com um floreio dramático de sua capa de pele, inteiramente disposto a voltar para Tebas ainda naquela noite.*

*Quando Beshter fala mais uma vez.*

*Fala sobre seus inimigos da Segunda Cidade. Sobre o que afeta Urlon. E o vento que já começava a soprar para levar Enki para o continente para. E ele se volta para trás, o olho direito com uma leve faísca vermelha.*


-O verdadeiro inimigo... Beshter, você tem certeza disto? Sobre Urlon de Uruk? Isso muda tudo...

*Enki começa a andar de um lado a outro na sala, alisando sua barba enquanto pensa, até que estaca novamente fala ao seu anfitrião.*

-Eu mudei de idéia. Conhecerei sua ilha, e abusarei de sua hospitalidade sendo seu Senhor durante sua ausência, ou enquanto me convir. Encontre-me provas sobre as... amizades de Urlon, amado, e eu tomarei providências para que nenhum navio persa consiga ficar a uma milha das costas helenas.

-E eu me comunicarei com Daharius Sarosh. Nossa amizade foi feita para suportar o teste do tempo. E terá de suportar novamente...
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