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Al-Amin
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Dom Mar 25, 2018 7:09 pm
A obsessão por encontrar os possíveis pontos de conexão na rede de intrigas dos Membros de Istambul ocupou a cabeça de Al-Amin durante o percurso. Mal conseguiu perceber a beleza do Bósforo enquanto o cruzava. Quando se deu conta, já estava na nobre região de Üsküdar, entrando na propriedade de Carlo Ballestra.

Al-Amin percebeu que a bela arquitetura italiana era muito distinta do resto da vizinhança. Ainda que Istambul fosse um caldeirão de culturas, os italianos tiveram pouca influência na cidade. Além da imponente torre de Gálata, construida por um arquiteto genovês, não lembrava de nada tão marcante. A residência de Carlo era uma homenagem à sua misteriosa origem.

Conforme entrava nos jardins de Ballestra, Al-Amin reparou seu anfitrião em uma das sacadas. Pensou que o Ventrue se assemelhava a um leão, observando seu território de caça. Inegavelmente, Carlo Ballestra era uma figura fascinante. Gostaria de conhecer um pouco mais sobre essa figura.

Al-Amin desce da carruagem e se depara com Ballestra. Abre um sorriso e extende a mão para cumprimentá-lo.

- Ballestra Bey! Allah nos agraciou com a possibilidade de nos visitarmos na mesma noite! Espero não ter interrompido nada importante, mas venho com uma notícia e um pedido. Como esperávamos, meu clã tomou para si a responsabilidade de ajudá-lo. Preciso, contudo, de uma pequena amostra do sangue de Elio. Qual o estado do pobre homem?
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Seg Mar 26, 2018 6:13 am
Ballestra aperta a mão de seu visitante. Sua expressão é de preocupação, a beleza italiana reduzida pelas rugas e marcas de expressão que se tornaram mais pesadas, em relação ao que se recordava Al-Amin, depois de tê-lo visto alguma vezes em reuniões nos Elísios de Istambul. Ainda assim, Ballestra era um homem impressionante. Vestia-se de formas simples: calças escuras e uma camisa branca. Estava descalço. Sua presença pessoal, contudo, ultrapassava os limites de sua humildade indumentária.

- Ah, Al-Amin Bey. Fico imensamente feliz que o vosso Clã tenha aceitado contribuir nessa situação. Não esperava menos de uma família que tem uma forte relação com Istambul. E não, vossa presença não interrompe absolutamente nada. Pelo contrário, é um prazer, ainda que em uma situação tão problemática, ter a presença em minha casa de um cainita tão distinto. Mas entre.

A porta principal desembocava em um salão de proporções razoáveis. A casa contava com imensas janelas e Al-Amin percebeu que haviam poucas cortinas para proteger o ambiente da luz do sol. A decoração era extremamente europeia, italiana, para ser mais exato. Além disso, retratavam um período específico da história do país. Quadros retratavam vitórias romanas, vasos datavam de milênios atrás e Al-Amin identificou uma ou duas águias imperiais penduradas nas paredes. Ballestra não tomou o caminho que possivelmente levaria às partes mais nobres da casa, girando à esquerda e acessando um pequeno corredor bem iluminado mas parcamente decorado. Durante o caminho, falava com Al-Amin.

- Esta casa pertenceu ao meu ancestral. É composta de uma série de túneis e calabouços para proteção e defesa. É num destes que estamos mantendo Elio. Temo que sua situação seja precária, Al-Amin. A infecção evolui rapidamente, sua sanidade está visivelmente comprometida.

Ao final do corredor, uma pequena sala de reuniões surge. Inúmeras estantes cobrem as paredes e os livros parecem meticulosamente organizados. Ali as cortinas são mais pesadas, especialmente atrás da grande mesa de trabalho, também apinhada de livros e mapas que Al-Amin identifica como pertencentes aos séculos XVI e XVII. Ballestra retira do bolso uma pequena chave e abre uma pequena porta à direita. A passagem porta a uma escada estreita e mal iluminada, e um odor estranhamente acre invade o ar. Ballestra desce, seguido por Al-Amin. Um outro pequeno corredor de pedra leva a uma grande porta dupla de pedra sem decorações. O odor se torna muito mais forte ali: parece uma mistura de pus, sangue seco e secreções.

Ballestra para diante da porta. Gira-se para olhar para Al-Amin. O olhar predador havia retornado, os olhos grandes de Ballestra estavam apertados, com um brilho estranho, vivo.

- Espero que você esteja pronto, meu caro. A cena pode lhe perturbar razoavelmente.
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Seg Mar 26, 2018 1:27 pm
Enquanto caminha pelo interior da casa, Al-Amin presta atenção na decoração, na disposição dos cômodos e nos objetos exibidos. A memorabilia romana lhe chamava atenção. Seriam heranças do antigo Antonius? Ou Ballestra seria velho o suficiente para ter conseguido tudo aquilo ainda em vida? Sabia apenas que o Cainita apareceu em Istambul no século XVIII. Tudo o que aconteceu antes disso era um mistério.

- Devo dizer, Ballestra Bey: sua residência é fascinante. É óbvio, mas ainda assim impressionante, que nossos refúgios sejam reflexos de nossas complexas personalidades.

E assim era a casa de Carlo Ballestra: bela e arejada em um primeiro momento, mas repleta de cantos escuros e misteriosos. E antiga...

Ainda no caminho pelos cômodos. Al-Amin interpela seu anfitrião.

- Sei que estamos aqui reunidos por conta de uma trágica situação que requer nosso esforço conjunto, mas me agradaria muito se tivéssemos tempo para discutir assuntos contemporâneos, Ballestra Bey. A Europa passa por um momento... interessante. E o Império parece ser influenciado por essa maré que se aproxima. Gostaria muitíssimo de ouvir suas impressões.

Ao chegarem perto da porta de pedra, Al-Amin sentiu o maldito cheiro. Diante das palavras de Carlo, não sabia exatamente o que significava "estar pronto". Temia, contudo, por sua saúde. Retirou um lenço de seda do bolso do paletó, para cobrir o nariz quando entrassem.

- Se fosse minha escolha, gostaria que estivéssemos tomando uma taça de vitae jovem, contemplando o Mar de Mármara no verão. Mas estamos no inverno, e o dever nos chama, Ballestra Bey. Prossigamos.

Com um sorriso, Al-Amin gesticula para que Carlo Ballestra abra a porta.
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Seg Mar 26, 2018 5:30 pm
Ballestra empurra com uma certa dificuldade a pesada porta de pedra que separa ele e Al-Amin da próxima sala. O odor se torna nauseabundo quando a passagem se alarga. Al-Amin se vê diretamente na sala. não há um corredor. É um local retangular, úmido e escuro. Sua estrutura é de pedras acinzentadas e o musgo prolifera livremente entre os espaços. O chão é do mesmo material e igualmente degradado. Não há janelas ali. Apenas duas pequenas lâmpadas elétricas defeituosas - vez em quando reduziam ou aumentavam a luz emitida - forneciam iluminação no ambiente.

Não haviam móveis. Mas, ao correr os olhos pela sala, Al-Amin identifica um elemento repugnante compondo o cenário. Na parte esquerda do local, repousa aquilo que pode ser descrito como uma bolha de pus e sangue, com inúmeras veias e artérias ressecadas. Há o tamanho aproximado de um corpo humano. A coisa deixa escorrer uma água escura e pútrida, a fonte do odor, segundo o nariz de Al-Amin.

Mas é o grunhido que o tira do seu estupor. No canto direito, um homem acorrentado começara a a se mover. Al-Amin não conseguia vê-lo propriamente, mas via seus braços e pernas movendo-se freneticamente, tentando libertar-se das correntes. A parte visível da face deixava à vista um rosto magro e disforme, como se a pele estivesse, de alguma forma, derretendo. Pústulas cobriam os braços e a face, e delas escorriam secreções inomináveis. Os olhos eram azuis. Não como olhos naturais, mas inteiramente azuis, como duas grandes esferas.

Ballestra se aproximou. A coisa grunhiu com mais força e Al-Amin chegou a pensar que as correntes se romperiam. o Ventrue coleta do chão algo que parece um atiçador de brasas e, sem nenhum aviso ou cerimônia, espeta o prisioneiro com a parte afiada. O que deveria ser Elio ainda grita incoerentemente enquanto Ballestra alcança Al-Amin, entregando-lhe a lança suja de sangue e sujeira.
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Seg Mar 26, 2018 6:44 pm
Tendo sido recentemente encarregado de coordenar a limpeza de vários assassinatos encomendados ao seu clã, A-Amin não se deixava abalar facilmente por cenas que os romancistas chamariam de "horror corporal". Contudo, o que tinha diante de si agora era algo além da sua imaginação. Ele cobria o nariz e a boca com o lenço, na tentativa de acalmar a Besta que se contorcia de medo dentro de si. Tudo o que queria era correr para a superície e sentir um pouco de ar fresco, o que seria suficiente apenas para que parasse de sentir o cheiro. A visão do que os vampiros tinham se tornado, no entanto, não se apagaria tão facilmente da sua memória.

- Allah yarham... (Deus tenha piedade) - Foi a única coisa que Al-Amin conseguiu sussurar naquele momento.

Aquela imagem virou um pesadelo acordado, onde todos os vampiros que conhecia em Istambul se transformavam em Elio, arrastando-se pelas ruas de sua amada cidade, gritando de urros de horror incompreensíveis. Os ricos cheiros das ruas eram tomados pelo odor da morte que contaminava a sala. Quando olhava para as próprias mãos, Al-Amin as viu cobertas de pústulas e veias gangrenosas.


O Assamita só voltou à realidade quando Carlo Ballestra lhe entregou o atiçador sujo com o sangue de Elio. Sem dizer nada, Al-Amin segura a lança com e sai da sala, indo para o corredor que os levou para aquela câmara do terror. Do lado de fora, com as mão trêmula, ele saca do bolso a pequena perfumeira de prata. Remove a tampa com a boca e derrama o líquido no chão, esvaziando o recipiente. Ainda tremendo, ele usa o mesmo lenço de seda que tinha consigo para colocar o sangue podre dentro da perfumeira, tampando-a em seguida. A-Amin fez tudo isso tomando o máximo de cuidado para que sua pele não tocasse no sangue e na sujeira.

Al-Amin espera que Carlo Ballestra se aproxime e diz, nervoso:

- Há algo em nossa existência que nos prepare para isso?

Ele tenta recuperar o fôlego, olhando para a perfumeira em suas mãos.

- Por Allah, Ballestra Bey, poupe Elio desse sofrimento. Eu não o conheci, mas duvido que tenha feito algo para merecer um fim como este...
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Ter Mar 27, 2018 9:15 am
Carlo Ballestra estava sério quando alcançou Al-Amin na parte superior da residência. Antes, havia fechado a porta de pedra e aquela de madeira, abafando os gritos horrendos daquilo que costumava ser Elio. O Ventrue olha para o atiçador de chamas no chão e, posteriormente, para Al-Amin. Seu olhar é cansado.

- Não, Al-Amin. Não há nada que nos prepare para isso. Ocorrerá uma hecatombe em Istambul se não controlarmos o avanço desta infecção. E sim, eu decidi proceder à eliminação de Elio. Era um bravo homem e um bravo servidor. Mas não posso permitir que alguém que me serviu tão bem ao longo dos anos passe por essa situação. O mantinha aqui na esperança de que você pudesse vê-lo. E, de fato, você veio.

Ballestra se senta em uma das elegantes poltronas. Seus passos parecem estranhamente cansados, como os de alguém que havia suportado uma carga muito pesada por longo tempo. Talvez a proximidade com o nascer do sol causasse este efeito no Ventrue. Se levantar-se, serve-se de uma garrafa que descansa em uma mesa lateral. Serve uma segunda taça, e a oferece informalmente a Al-Amin. O cheiro da Vitae inunda o ambiente, ofuscando as reminiscências do odor pútrido do calabouço. É um perfume forte e encorpado, inebriante aos sentidos.

- Temo que não tenhamos tanto tempo para conversar, o nascer do sol se aproxima. Você é bem vindo para se hospedar em minha casa, se desejar.

Ballestra dá um pequeno gole no conteúdo da taça. Suas postura muda imediatamente. Se torna mais ereto. O rosto se transforma. O olhar predador, que tanto encantava e incomodava Al-Amin estava de volta.

- Eu adoraria falar contigo sobre as minhas inclinações políticas. De fato o momento europeu requer posicionamentos firmes. Poucos cainitas nesta cidade são capazes de assumi-los. Você e eu temos isto em comum.

Ballestra termina de falar e indica a poltrona diante de si com a mão esquerda. As veias saltadas ao redor dos olhos causam uma impressão em Al-Amin. O Ventrue, todavia, parece calmo, quase transcendental.
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Ter Mar 27, 2018 3:48 pm
Al-Amin tenta começa a se recompor, apesar de ainda estar claramente abalado pela visão do pobre Elio e do cadáver infectado. Ele guarda a perfumeira no bolso interno do paletó com cuidado. Sentia que tinha em mãos uma arma maldita, capaz de iniciar o fim de tudo o que amava em sua não-vida.

Aceitando a taça que Ballestra lhe ofereceu, ele toma o vitae de pé, sem sentar nas poltronas da sala. Al-Amin fecha os olhos enquanto saboreia o sangue, aproveitando a sensação do sangue para se acalmar um pouco. Concentra-se no aroma adocicado, misturado a essência do perfume que ficou em sua mão, para esquecer o cheiro da podridão.

- Eu adoraria ficar para iniciarmos essa conversa, Ballestra Bey, bem como desfrutar de sua hospitalidade. Mas infelizmente terei que cometer a deselegância de recusar seu convite.

Al-Amin termina de beber o vitae e deposita a taça no móvel mais próximo.

- De fato, o sol se aproxima e, apesar de ter a convicção de que sua residência é confortável, preciso descansar em um ambiente familiar. Os eventos dessa noite me abalaram um pouco. Sinto que a normalidade do meu lar me ajudará na recuperação.

Ele olha para a janela, tentando calcular o quanto a noite ainda duraria.

- Temos muito o que conversar. Prefiro ter uma noite inteira pela frente para fazê-lo de modo menos apressado. Amanhã, nas primeiras horas de escuridão, entregarei o sangue de Elio para minha família. Depois disso, se não estiver ocupado, poderemos falar sobre nossas posições a respeito do Mundo.

Ele faz uma reverência ao Ventrue, iniciando sua despedida.

- Se me permite, Ballestra Bey, vou me retirar para atravessar o Bósforo em segurança.

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Qua Mar 28, 2018 9:10 am
Ballestra sorriu após as palavras de Al-Amin. Levantou-se para acompanhar o Assamita até a porta da residência, respondendo no caminho.

- Não se preocupe, Al-Amin Bey. Não é nenhuma falta de cortesia. Compreendo que o que foi visto por você hoje possa ter-lhe causado um certo desconforto. Faça uma boa viagem de retorno à sua residência. Espero também que o Clã Assamita possa ajudar-nos. E claro, será um prazer encontra-lo novamente na próxima noite.

Al-Amin deixa a residência e Carlo fecha a porta atrás dele. A viagem de volta é realizada rapidamente, com o carro cruzando célere as ruas vazias de Istambul. Quando Al-Amin alcançou seu refúgio, o ar da noite começava a resfriar-se, um último suspiro da madrugada diante do sol que surgiria. Embora as imagens da noite ainda pesassem em seu cérebro e Al-Amin tivesse a impressão de que o mau odor da masmorra o havia seguido, Al-Amin adormeceu rapidamente. O dia, porém, lhe trouxe alguns pesadelos estranhos. Em um deles, conversava sobre uma altíssima montanha com um estranho homem de pele branca. O local se erguia diante do mar e Al-Amin reconhecia os distritos de Istambul. O homem estava nú, sentado na relva. Quando Al-Amin tentava olhar o seu rosto, o sol lhe cegava de forma inclemente.

A noite seguinte havia chegado e com ela as obrigações de Al-Amin. Samir estava esperando de pé no grande salão onde o Assamita recebia seus convidados. Assim que seu mestre se faz visível, o servo afirma que o carro está pronto caso desejasse sair.
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Qua Mar 28, 2018 5:23 pm
Al-Amin despertou apreensivo, receoso e confuso. Ao terror do que presenciou nos porões de Carlo Ballestra somou-se o estranho sonho que havia acabado de ter. As imagens não lhe passavam uma sensação de medo, mas sim de estranhamento.

Enquanto refletia sobre a noite passada e o bizarro sonho, Al-Amin sentou-se em sua sala. Fez seu ritual diário de ler os jornais enquanto baforava o narguilé, saboreando uma taça de vitae. Ainda assim, não conseguia fixar sua atenção em nada. Pela primeira vez em muitos anos, tinha a sensação aterradora de que estava diante de algo muito maior do que estava acostumado a lidar. E não se tratava apenas da ameaça de guerra. Era o medo de que um cataclismo poderia acontecer.

Agradecendo a proatividade de Samir, Al-Amin dirige-se ao seu carro.

Sentado no interior da carruagem, a caminho de Zeytinburnu, Al-Amin retira a perfumeira do bolso. O recipiente de prata reflete a luz do luar que o ilumina parcialmente. O Assamita segura a perfumeira com um das mãos, observando-a. Era como se estivesse perdido em um terrível transe, no qual via refletido ali a figura de Elio. Queria logo se livrar daquele sangue contaminado, pois aquele pequeno peso na mão representava o peso do mundo em suas costas.

Ao chegar na residência de Ibn-Sayad, Al-Amin toma o mesmo cuidado de antes. Retira os sapatos e faz uma reverência.

- Salaam Aleikum, Venerável Ibn Sayad. Trago o que você me pediu. Ele estende a mão, oferecendo a perfumeira para o Feiticeiro.

Com a cabeça baixa, ele prossegue.

- Devo dizer, Syd Sayad, que pude ver com meus próprios olhos o efeito devastador da infecção... Eu temo por nós todos e por Istambul...

Ainda fitando os próprios pés, Al-Amin faz uma nova pergunta

- Em outra nota, Ibn Sayad, gostaria de perguntar-lhe: Tens o dom de interpretar sonhos? Essa noite, após retornar da residência de Carlo Ballestra e repousar, tive um sonho estranho. Eu me vi em uma montanha com um homem de pele branca, do qual não conseguia distinguir o rosto. Estávamos eu e ele diante do mar e também conseguíamos contemplar Istambul... O que isto pode significar?!
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Qui Mar 29, 2018 8:35 am
- Me dê um segundo.

Foi a resposta de Ibn-Sayad após a entrada de Al-Amin. O Assamita escrevia velozmente no muro coberto de fórmulas. De quando em quando parecia pensar. Coçava a cabeça em um gesto demasiadamente mortal e em seguida voltava a escrever. Quando terminou, girou-se em direção a Al-Amin e parecia genuinamente satisfeito com os resultados. A parede não tinha quase nenhum espaço livre.

Caminhou em direção ao cainita mais jovem. Tomou o pequeno frasco de suas mãos, observando-o por alguns segundos com uma expressão curiosa. Convidou-o a sentar em sua cadeira, atrás da mesa de trabalho, e se colocou, como na noite anterior, em uma posição inferior à Al-Amin. Sentado no chão branco, começou a formular seu raciocínio.

- Imagino o quanto tenha sido traumático, Al-Amin. Os anais de nosso Clã contam-nos coisas terríveis sobre a primeira infecção. Devo dizer-te que passei as últimas horas de ontem e as primeiras de hoje a aprimorar uma forma de investigar a Vitae que você eventualmente me traria. O resultado é aquele.

Apontou, orgulhosamente para o muro. Era um emaranhado de cálculos que não faziam sentido para Al-Amin. Havia, contudo, uma tangível sensação de que coisas importantes estavam escritas ali.

- Precisarei de algumas horas para informar-te o resultado. Quando chegar a uma conclusão, te enviarei uma mensagem privada, não há necessidade de se deslocar até aqui.

Levantou-se. Era um homem de aparência muito frágil. Havia algo nele, porém, que emanava um poder desconhecido, uma aura de força que o fazia aparentemente capaz de rasgar o mundo. Aproximou-se da mesa e do outro Assamita.

- Quanto aos sonhos, nunca fui muito talentoso em interpretá-los. Me recordo, porém, de algumas lições. Especialmente de que montanhas e lugares altos indicam a presença de alguém de certa autoridade.

O Assamita mais velho ficou repentinamente sério. Os olhos se apertaram, como se estivessem vendo algo que não estava ali. O olho alaranjado brilhava intensamente.

- Esteja ciente de que muitas coisas se revelarão nos dias por vir. É isso que os astros têm me dito. Há uma presença oculta, poderosa, que segue você nesse momento. Alguém te observa. Alguém tem grandes esperanças em você.

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Qui Mar 29, 2018 11:53 am
Al-Amin deixa as palavras de Ibn Sayad se assentarem em sua mente. Ele se perde observando a parede rabiscada do Feiticeiro. Esboça um sorriso sincero ao se lembrar do grande tapete que ostenta em sua sala. Da mesma forma que não consegue compreender o significado dos cálculos e palavras ali escritos, Al-Amin duvida que poucos compreenderiam a mensagem que ele escreve com linhas e alfinetes. Mas sem dúvida, existem padrões ali.

Padrões. São neles que Al-Amin vem se concentrando desde o início da sua não-vida. A tenebrosa infecção deveria se encaixar de alguma forma nesses padrões pré-existentes, mas ele estava com dificuldades para enxergar como. O medo de uma tragédia que destruiria os Cainitas de toda Istambul estava impedindo-o de pensar com calma e racionalidade. Estar na presença de Ibn Sayad, contudo, era uma das poucas coisas que o acalmava.

Al-Amin se levanta da cadeira, ainda pensativo e falando em voz baixa

- Agradeço sua constante disponibilidade, Ibn Sayad. Sem você e nossa Família, estaria perdido e desesperado neste momento. Aguardo ansiosamente por sua próxima mensagem.

O Vizir pausa, olhando para o chão.

- Quanto ao que dizes sobre meu sonho, não sei o que pensar. Saber que alguém importante me observa não é exatamente uma sensação reconfortante...

Al-Amin se despede respeitosamente de Ibn Sayad. O próximo passo dessa noite seria a conversa com Carlo Ballestra. Esperava que discutir política com o Ventrue o distrairia dos pensamentos angustiantes.
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Qui Mar 29, 2018 2:56 pm
Istambul estava anormalmente fria quando Al-Amin deixou o refúgio de Ibn-Sayad para se dirigir até Ballestra. O Assamita mais velho havia pegado o frasco de Vitae e a última cena que Al-Amin viu, antes de deixar a residência, foi Sayad sentado à mesa de trabalho. As mãos hábeis raspavam velozmente pequenos gravetos de uma madeira de cor estranha, fazendo-os cair em uma tigela de argila com runas inscritas.

A viagem foi veloz, a cidade estava vazia. As palavras de Ibn-Sayad, contudo, calaram fundo na mente de Al-Amin. Era impossível não olhar para os lados, desconfiado, como se esperasse que alguém surgisse das sombras para ataca-lo. Ou dialogar com ele. Ou fazer o que quer que uma pessoa que observa outra possa fazer.

Cruzou o Bósforo, em direção a Üsküdar. O homem branco era uma outra preocupação. Súbito, uma leve tontura, como se a pressão sanguínea de Al-Amin - se houvesse uma independente de sua vontade cainita - tivesse baixado. Agora o Assamita, por alguma razão, se lembrava da face do indivíduo.

Era belo. Um rosto angular, porém delicado, sustentava olhos azuis escuros como o alto mar. O homem tinha uma barba castanha bem aparada. Os cabelos eram longos, castanho-claros e ligeiramente ondulados. Ao redor dos olhos, haviam pequenas, sutis marcas de expressão. Al-Amin se lembrava, inclusive, do sorriso que o homem jamais havia lhe dado. Era sincero, embora escondesse uma violência e um certo escárnio. Era estranho, mas o homem lembrava perturbadoramente a imagem que os europeus têm do Cristo.

A lembrança repentina absorveu Al-Amin a tal ponto que ele sequer percebeu quando o automóvel parou diante da casa de Carlo Ballestra. Como na noite passada, o Ventrue estava na sacada superior, deixando-a para fazer-se visível na porta de entrada. Ele sorriu quando Al-Amin desceu do carro, e sua face estava mais predatória do que nunca. Os olhos cintilavam, refletindo as luzes da Istambul distante. De dentro da casa fluía uma belíssima música: uma mulher cantava em italiano uma canção triste e melancólica.

- Você veio. Entre.
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Sex Mar 30, 2018 4:50 pm
O mal-estar gerado pela lembrança súbita da face do homem branco fez a espinha de Al-Amin gelar. Desesperado, ele arregaçou as mangas do seu paletó para observar as mãos e os antebraços. Procura marcas que não estavam ali até ontem. Feridas, manchas, qualquer coisa. O medo de ter contraído a infecção enquanto manuseou o sangue de Élio era irracional, mas Al-Amin não conseguia deixar de pensar nessa possibilidade. Estaria ele delirando devido à algum contato indevido e não percebido com o sangue contaminado? O Assamita tinha certeza que tinha tomado todas as precauções necessárias, mas ainda assim...

E, se os devaneios não eram o resultado do medo ou de uma eventual contaminação, quem seria aquele esse maldito homem que apareceu na sua cabeça?! Tentou repassar mentalmente a imagem, como se buscasse alguém familiar em sua memória. O sorriso o perturbou profundamente.

Os pensamentos perturbadores o acompanharam até chegar em Üsküdar, frente à casa de Carlo Ballestra. Procurou assumir um semblante despreocupado, para não despertar a curiosidade do seu anfitrião. Sua intenção era ter uma conversa agradável com o Ventrue, com o intuito de compreender o que ele pensava do atual quadro político do Império.

Desceu do seu carro e já estendeu os braços, abaixando-se em uma reverência.

- Ballestra Bey! Que prazer revê-lo! Venho para dizer que minha família já está tomando os devidos cuidados com relação à... situação sobre qual conversamos ontem a noite. Creio que em breve teremos boas notícias! Hoje, porém, venho para conversarmos sobre assuntos mais, digamos... mundanos. Deixemos as feitiçarias para os feiticeiros.
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Sex Mar 30, 2018 5:44 pm
Ballestra cumprimentou Al-Amin animadamente, convidando-o para entrar. Desta vez, se encaminharam para a parte oposta da casa em relação àquela onde estava Élio. Algumas portas e pequenos corredores depois, o Ventrue apresentou a Al-Amin um outro escritório particular. As paredes eram mais escuras, dando um ar mais aconchegante. Não havia uma mesa de trabalho, e somente uma janela iluminava o local. Diante dela, uma de frente para a outra, haviam duas poltronas. Entre as duas, uma pequena mesa sustentava uma garrafa de Vitae. Na parede, algo chama a atenção de Al-Amin. Uma peça de tapeçaria, em tons azuis e esverdeados, com diversos pequenos bustos pintados. Abaixo deles, nome e uma data. O Assamita percebeu que se tratava da árvore genealógica da linhagem de Carlo Ballestra.

O Ventrue se sentou em uma das poltronas, servindo a Vitae em duas taças. Começou a falar quando Al-Amin se sentou.

- Você me perguntou sobre a minha opinião acerca da Europa. Bem, tenho muitas coisas em mente por onde poderia começar. Posso discorrer sobre os Impérios do continente, mas prefiro começar com uma assertiva: A guerra é inevitável. Se não entre os mortais, ao menos entre nós cainitas.

Ballestra deu um gole no conteúdo da taça. O cheiro da Vitae era doce, mas levemente temperado com o que pareciam ser especiarias. Tornou a olhar para Al-Amin, e o olhar era mais calmo. O homem parecia oscilar entre uma personalidade extremamente calma e outra agressiva, quase violenta.

- Gostaria de ouvir você primeiro, meu caro. Ao que me parece você é um dos que melhores entendem as dinâmicas de Istambul e, por analogia, aquelas que acontecem fora dela.
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Qui Abr 05, 2018 3:18 pm
Sentado na poltrona indicada por Ballestra, Al-Amin pega um das taças, levando-a até o nariz para sentir o aroma. Ele mantém os olhos sobre a tapeçaria que retratava a linhagem do Ventrue.

- Estás sendo gentil quando fala das minhas habilidades, Ballestra Bey. Talvez elas tenham sido mais acuradas em tempos mais simples...

Al-Amin aponta para a tapeçaria, com a mesma mão que segura a taça de vitae.

- Muitos homens orgulham-se de sua linhagem, mas abençoados são aqueles que de fato têm uma Família da qual podem se orgulhar. Quem, dentre todos os Cainitas, tem a honra de poder dizer que descende do magnífico Antiorix, o Galo? A grandiosidade de Istambul deve muito ao pacto do qual Antonius fez parte...

O Assamita toma um pequeno gole do vitae, saboreando-o em sua língua.

- Devo dizer, Ballestra Bey, que sua Família sempre despertou meu interesse. Como deves saber, sou um estudioso. E entre os muitos tópicos sobre os quais me interesso está o Poder. Os mais ignorantes entre nós vão dizer que os Ventrue se resumem a indivíduos que buscam esse poder. Porém, eu discordo...

Al-Amin fita Carlo Ballestra.

- O Poder não é um substantivo, de modo que carece de qualquer substância. Poder, de acordo com minha concepção, é um verbo. Ele é um exercício, uma capacidade. Eu diria que o Poder é a capacidade de... "fazer fazer". Um homem exerce o poder quando tem meios para fazer com que outros façam algo.

- Nesse sentido Ballestra Bey, todas as Famílias que compartilham conosco a Maldição de Caim buscam o Poder. Assim, qualquer um dos Cainitas poderia ser reduzido à busca por Poder, retirando dos Ventrue essa exclusividade...

O vizir para por um segundo, observando as reações de seu interlocutor

- O que diferencia a nobre Família Ventrue é algo distinto. Sutil demais para ser percebido pelos olhos desatentos. Nenhuma outra família dominou a arte de "fazer fazer" como vocês. Os Ventrue são os verdadeiros especialistas no exercício deste verbo. Mas o mais interessante não é isso. O que realmente me fascina é...

Ele olha para a taça que tem em mãos, observando os detalhes enquanto continua falando.

- O que me fascina é o mistério dos Ventrue. Porque é relativamente fácil, uma vez que alguém compreende a natureza transitiva do conceito de Poder, perceber o que cada Clã quer fazer com o ele. Mas os Ventrue não. Uma vez que consigam exercer essa capacidade de fazer com que outros façam algo, o que querem os Ventrue de fato?

Al-Amin sorri para Ballestra.

- Enfim, Ballestra Bey, espero que não se sinta ofendido por essa digressão. Sou sincero quanto ao meu fascínio por este mistério, mas não espero obter nenhum tipo de resposta. Afinal, o desconhecido é aquilo que nos motiva!

Sorvendo mais um gole do vitae, Al-Amin muda um pouco o tom.

- Mas voltemos ao nosso tópico para essa noite. A Guerra e a Europa. Devo concordar contigo quando diz que a guerra é inevitável. No entanto, considerar sua inevitabilidade não significa que eu a festejarei. Na verdade, eu a lamento.

- Todos querem essa guerra, Ballestra Bey, Cainitas e mortais. Se não todos, ao menos aqueles que detém a capacidade de "fazer fazer".

Al-Amin olha para o chão e franze o cenho, tentando alinhar seus pensamentos.

- Eu realmente não gostaria que essa guerra que se desenha no Horizonte chegasse até Istambul, mesmo sabendo que esse é o desejo de muitos. Não creio que o Império Otomano tenha a capacidade tecnológica para se manter íntegro ao entrar nesse conflito. Nós já experimentamos derrotas nos Balcãs e na Grécia. Gastamos recursos que deveriam ter sido empenhados de outra forma.

- O caos que se aproxima vai comprometer as estruturas da sociedade Cainita em nossa amada cidade. Muitos já nos olham como gado prestes a ser abatido, pensando que Mustafah não terá forças para impedir o saque.

Al-Amin volta a olhar para Carlo Ballestra.

- Sendo sincero contigo, Ballestra Bey, não me abstenho de fazer críticas ao Império. Mas odiaria ver os povos que hoje são súditos dos Otomanos se transformarem em súditos de potências Ocidentais.

Dito isso, Al-Amin se silencia, aguardando o que Carlo teria a dizer.
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Istambul: A Cidade de Muitas Faces. - Página 2 Empty Re: Istambul: A Cidade de Muitas Faces.

Qui Abr 05, 2018 4:45 pm
Carlo Ballestra ouvia atentamente as palavras de Al-Amin. Vez ou outra dava um gole na taça de Vitae. Seus olhos, escuros como a noite, perscrutavam a face de seu interlocutor. Ocasionalmente, e principalmente diante das asserções de Al-Amin sobre o seu clã, Ballestra sorria sutilmente.

- Sua observações são muito acuradas, Al-Amin Bey. De fato a minha família é um enigma mesmo para aqueles que fazem parte dela. As discussões são calorosas, e a nossa natureza é aberta a inúmeras interpretações.

Ballestra se recostou na poltrona e depositou o cálice na mesa.

- O que nos distingue das outras famílias, Al-Amin, obviamente na minha opinião humilde, é que nós somos capazes de fazer qualquer coisa com o poder, dada uma dimensão de tempo e paciência. Nós, Ventrue, somos infinitamente diferentes entre nós mesmos, e não um bloco monolítico como geralmente nossos observadores nos identificam. O que nos une como Clã é a capacidade de usar do poder - e aí eu concordo com o Senhor sobre a natureza transitiva deste - para alcançar qualquer objetivo que nosso caráter coletivo megalomaníaco nos permita.

Carlo sorriu e continuou.

- Portanto, não existe nenhum grande enigma sobre nós. À medida em que nós, Ventrue, envelhecemos, nossos sonhos e ambições aumentam em igual proporção. Isso nos porta a usar o Poder de forma cada vez mais instintiva e eficiente, uma volta que nossos objetivos se tornam cada vez mais inalcançáveis.

- Alguns Ventrue conseguem alcançar a satisfação pessoal que deriva de um uso eficiente do poder. Estes se estagnam, se tornando pesados para a estrutura do Clã. É por isso que temos tantas discordâncias na nossa gestão interna. Outros que chegam a esse ponto, porém, se tornam baluartes dos Ventrue. É o caso de Lorde Hardestadt e de meu ancestral, no seu tempo.


Ballestra fitou velozmente a tapeçaria onde figuravam seus ancestrais. Al-Amin percebeu que seu olhar se demorou sobre seu ancestral mais antigo depois do Fundador do Clã. Um homem de face austera e cabelos castanhos marcava a imagem de Antiorix, o Galo. Depois, continuou.

- Quanto à guerra, como eu disse, é inevitável. As conformações atuais entre as potências europeias porta a um final dramático. No entanto, concordo contigo de que a guerra não deve ser um desejo nem uma razão de alegria. O Império se encontra em uma situação problemática nos Balcãs, uma situação que ainda não foi plenamente resolvida.

- De fato, o Império Otomano é uma grande obra cheia de buracos vulneráveis. São estes problemas internos que precisamos resolver antes de lançar-nos em uma guerra que pode nos destruir. Não serão resolvidos, contudo, sem que nós nos envolvamos ativamente com os mortais, numa tentativa de influencia-los a seguir o caminho menos prejudicial. Isso exige a ação de cainitas capazes, como o senhor, Al-Amin.

Ballestra abaixou os olhos por alguns segundos. Depois os pôs, azuis de um escuro profundo, sobre Al-Amin. Lá estava, o olhar de predador.

- O caminho que precisaremos seguir será tortuoso e difícil. A cidade poderá fazer uso de um cainita como o senhor. Evitar a guerra é fundamental mas caso seja inevitável, minimizar seus custos e danos é essencial. Isso não poderá ser feito, contudo, enquanto a atual coalizão que ocupa o Principado continuar ali. Eles entregarão o Império aos abutres na primeira oportunidade, submetendo-se aos Príncipes estrangeiros. Não há orgulho nestes indivíduos, nenhum deles participou da construção desta grande cidade!

Ballestra levou a mão esquerda à testa e fechou os olhos por uns segundos, como se estivesse tonto. Depois, tornou a olhar para Al-Amin.

- Me desculpe, meu caro. Tais assuntos tendem a exaltar-me.
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Qui Abr 05, 2018 7:32 pm
Um misto de curiosidade e receio tomou Al-Amin. Ele já havia reparado as mudanças bruscas de humor que afetavam Carlo Ballestra em meio às suas conversas, mas pela primeira vez percebeu o modo como estavam associadas à mudança física na cor de seus olhos. Por alguns segundos, lá estavam eles: os olhos assustadores de um predador.

Al-Amin reacomoda-se na poltrona, tentando agir com naturalidade. Ele bebe mais um gole do vitae.

- Ó, não se preocupe, Ballestra Bey. Todos nós temos assuntos e temas que nos mobilizam mais do que o normal. Se exaltar é se importar. E sei que você, tanto quanto eu, ama Istambul.

Ele abre um sorriso, num esforço de mostrar à Ballestra que tudo estava dentro da normalidade.

- Fico feliz que também concordamos com o fato de que a guerra é um flagelo que deveria ser contido. Digo do fundo do meu coração: eu teria toda a disposição em ajudar a cobrir os buracos que nos enfraquecem diante da Europa. Porém...

Al-Amin termina o conteúdo de sua taça, demorando propositalmente. Ao terminar ele continua

- Estávamos falando de sua Família. Pois deixe-me dizer algo sobre a minha. Estou completamente de acordo quando Ballestra Bey diz que cada Ventrue é um universo em particular. Ocorre que o mesmo não pode ser dito dos Filhos de Haqim. Para meus anciões, eu sou apenas mais um servo. Não tomo decisões sem que estas tenham sido me passadas de cima para baixo.

O Assamita lança um olhar para a peça de tapeçaria.

- Mas por favor, não me interprete mal. Não digo isso em tom de lamento. Eu devo todo respeito e lealdade aos meus anciões. É como diz o Corão: "Ó Senhor, tem misericórdia de meus pais, como eles tiveram misericórdia de mim"...

Voltando a olhar Ballestra, Al-Amin sorri.

- Lhe pergunto por curiosidade, Ballestra Bey: qual entre os teus anciôes - além de Antiorix, claro - é aquele mais lhe inspira?
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Sex Abr 06, 2018 6:04 am
Ballestra bebeu mais um gole de sua taça de Vitae. Sorriu quando Al-Amin mencionou lealdade e respeito aos seus anciões.

- Entendo perfeitamente, Al-Amin Bey. Mas eventualmente mesmo sua família deverá tomar uma posição diante da tempestade que está para nos atingir. Acredito que os Assamitas discutirão com a cautela e tecendo as considerações necessárias e confio que tomarão a decisão que será melhor para Istambul. Quando Antiorix governou esta cidade foi ele o responsável por abri-la à sua família, a despeito da resistência do Dracón e de Miguel. Os resultados, à época, foram visíveis. Istambul cresceu com a presença do seu Clã. As contribuições dos Assamitas perduram até hoje ainda que Antiorix não esteja mais aqui.

Ballestra se levantou e começou a caminhar pela sala. Sua maneira de andar era ligeiramente mais pesada, mais firme. Dirigiu-se à tapeçaria que representava sua árvore genealógica. Convidou Al-Amin a se aproximar.

- Também tenho profundo respeito pelos meus anciões. Deixe-me apresentá-los. Este sou eu, na base da árvore, um cainita que ainda não gerou progênie - Sorriu e continuou - Acima de mim minha senhora Helena, uma cainita absurdamente inteligente. Nossos caminhos se separaram séculos atrás mas ela ainda vive, atualmente residindo em seu país de origem, sob a tutela do Império Russo. Minha linhagem avança até o grande Belisarius, general de Justiniano, um modelo de virtude e comportamento para mim. Ao lado dele, Caius e Septima Dominica, os traidores, aqueles que elaboraram e executaram o plano de destruição de meu Ancestral. E, acima deles, está Antiorix.

Ballestra apontou com o indicador para o topo da tapeçaria e Al-Amin sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Ali, retratado fielmente, estava o homem com quem sonhara na noite anterior. Os cabelos castanhos emolduravam o rosto austero, mas gentil. Os olhos azuis escuros fitavam o Assamita, como se fossem vivos. Era uma obra muito bem feita. Al-Amin girou-se para Ballestra, e o Ventrue o encarava com os olhos azuis o o sorriso predatório. Antes que o Assamita pudesse falar, foi Ballestra quem emitiu palavras.

- Saudações, Al-Amin. Nos encontramos finalmente.
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Sex Abr 06, 2018 4:30 pm
Após terminar sua primera taça de vitae oferecida por Ballestra, Al-Amin encheu-a novamente enquanto o Ventrue falava sobre a necessidade dos Filhos de Haqim assumirem uma posição diante dos fatos que estariam por vir.

Ele degustava o vitae quando se levantaram para olhar de perto a árvore genealógica de Ballestra. Contudo, não teve tempo de terminar de beber o conteúdo. Ao se dar conta de que o homem que o visitava em sonhos era ninguém menos do que Antonius e que a voz que saia da boca do seu interlocutor era diferente daquela que escutava segundos atrás, a taça cheia de vitae foi ao chão, espalhando o líquido escarlate aos seus pés.

Aquilo não era possível! Antonius encontrou sua morte final há mais de um milênio, ali mesmo em Istambul! Ao mesmo tempo, algo o mobilizava para querer acreditar que estava diante do venerável Matusalém Ventrue.

Al-Amin mal conseguiu articular as palavras que sairam de sua boca

- An... An... Antonius?... Antiorix? Como? Como é possível?
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Sáb Abr 07, 2018 7:20 am
O corpo de Ballestra se moveu, mecanicamente, abaixando-se para pegar a taça que jazia no chão. Ergue-a e a entregou a Al-Amin antes de falar. A voz era diferente, mais grave e mais autoritária.

- Me chame Antonius. E você ficaria surpreso com quantas coisas são possíveis, meu caro.

O homem caminhou lentamente até a poltrona onde estava sentado. Al-Amin acompanhou enquanto os passos pesados cruzavam o salão, como os de alguém que não está acostumado com seu próprio corpo, com o tamanho das pernas e o peso do tórax. Sentou-se e convidou Al-Amin a fazer o mesmo.

- É difícil destruir-nos, você sabe. Dormi. Longos e longos séculos. Continuaria a fazê-lo, se os lamentos e o som do caos não me tivessem despertado. Contei com a diligência dos meus descendentes para me defender, ainda que eles agissem... inconscientemente.

Era assustador. Al-Amin havia conhecido Carlo Ballestra e havia começado a considerar o Ventrue um cainita razoável. O que estava diante do Assamita, porém, era algo completamente diverso. Era uma força. Havia algo de imenso naquele que se proclamava Antonius, O Galo, algo de nobre e grandioso, de idealista e justo, ainda que profundamente autoritário.

- Minhas progênies me feriram gravemente. Tão gravemente que achei que minhas feridas jamais curariam. Minha estirpe fugiu de Constantinopla, deixando-me à própria sorte. Fui esquecido, me tornei uma lenda. Os sonhos confusos do Torpor me carregaram, levando-me a locais onde jamais estaria em outras condições. Eu vi o futuro, Al-Amin, e ele é terrível.

O corpo permanecia rígido, como uma estátua de mármore. Al-Amin observou as veias de Ballestra saltarem, como se "Antonius" fosse demasiado potente para ser contido em um corpo tão frágil.

- Foi somente quando Carlo Ballestra adentrou esta cidade que me movi em meu sono. Meu Sangue reconheceu o seu, mas eu não podia manifestar-me diretamente através dele sem colocar sua não vida - e a minha - em risco. Ballestra não está consciente neste momento, como não estava nos diversos momentos em que me manifestei. Seu Sangue pertence a mim e é através dele que eu estou aqui.

"Antonius" olhou fixamente para Al-Amin. Era ele, a grande besta. O grande predador, semelhante a um felino que domina uma selva tão vasta quanto Istambul.

- Sobretudo, foi a sua presença quem me chamou a atenção. Seu amor por esta cidade faz de você meu aliado. Seu amor por este local o fará defendê-lo da destruição da guerra dos mortais. Eu ouço os sons, Al-Amin. Ouço Istambul. Máquinas misteriosas rondam pelas ruas e mortais morrem às dezenas graças a estranhos instrumentos mecânicos. Os tempos são outros.

- Então, cá estou eu. Uma relíquia do passado. Não posso morrer, assim como não pode Istambul.
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Seg Abr 09, 2018 5:57 pm
Se qualquer Cainita chegasse até Al-Amin e lhe contasse uma história sobre como um Matusalém, notoriamente dado como morto, teria conseguido se manter em torpor por segredo, durante mais de um milênio, até o momento em que um dos seus descendentes estivesse suficientemente perto para que este mesmo Matusalém tivesse forças para se apossar momentaneamente de seu corpo, o Assamita duvidaria. O próprio ato de descrever a situação mentalmente era uma prova do quão surreal seria essa possibilidade.

No entanto, ali estava Al-Amin, conversando com o poderoso Antonius, cuja voz saia do corpo de Carlo Ballestra. Não havia dúvida. Aquele ERA Antonius, por mais improvável que isso pudesse parecer.

Al-Amin segurou a taça entregue pelo Ventrue e foi caminhando lentamente até a poltrona onde estavam sentados. Ele não conseguia desgrudar os olhos de Ballestra. Ou deveria se referir a ele como Antonius? Sua cabeça estava em um turbilhão de pensamentos, relembrando as cenas onde o olhar predatório de Ballestra vinha à tona. Seriam aqueles os momentos onde Antonius teria se feito presente?

O Assamita não conseguia escolher uma coisa sobre a qual perguntar para Antonius. Estava diante do Pai da trindade que por muitos séculos governou Constantinopla. Juntamente com Miguel e o Dracon, Antonius lutou para implementar o tão aclamado “Sonho” naquele mesmo solo onde pisava neste momento. Em seus devaneios, Al-Amin gostaria de passar eras sentado naquela poltrona, escutando o que o Matusalém teria a dizer sobre os fatos que presenciou na passado.

Foi um senso de urgência, porém, que fez Al-Amin formular uma frase após muitos segundos atônito.

- Istambul corre perigo, Antonius. Precisamos protegê-la.
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Ter Abr 10, 2018 4:54 am
Antonius olhou para Al-Amin antes de se sentar na poltrona diante do Assamita. O caminhar era completamente diverso, os braços se moviam de forma diferente, o olhar era outro. Definitivamente não se tratava de Carlo Ballestra, embora a aparência fosse a sua. Depois de sentar Antonius inclinou-se na direção de Al-Amin, apoiando os cotovelos nas pernas, como alguém que está profundamente atento a qualquer detalhe emitido pelo interlocutor.

- Tenho ciência disso, Al-Amin, ainda que de forma primitiva. Minha mente não alcança locais fora das fronteiras de Istambul. No entanto, consigo perceber o que ocorre dentro dos muros da cidade. Istambul vem sedo governada por uma coalizão que não se importa com nossas tradições, com nossa história. Estão prontos para vender, de forma incondicional, o Império às potências estrangeiras. Nossa civilização será destruída no fogo da guerra e eu não ouso imaginar o que surgirá das cinzas dela.

Antonius olhava fixamente nos olhos de Al-Amin. O Assamita, todavia, não sentia absolutamente nenhum sinal da sua força de personalidade, que deveria ser imensa, considerando o domínio que os Ventrue tem sobre a Presença Sobrenatural.

- A guerra, como já havia lhe dito antes, é inevitável. Arrastará inúmeras nações para o centro do conflito, pois foi isso que eu vi em meus sonhos. Nós não poderemos nos isentar, não poderemos permanecer sentados enquanto a Europa afunda no abismo. A guerra chegará às nossas portas, de um jeito ou de outro e a única maneira de proteger nossa cidade e nosso povo é com um governo forte, que seja capaz de controlar a mão pesada dos mortais e, ao mesmo tempo, a oposição interna dos Cainitas que desejam a destruição do Império.

- Contudo, eu não conheço absolutamente nada deste tempo, Al-Amin. Não sei quem são essas pessoas que governam nossa amada Istambul. Sinto impressões, vagas, de suas motivações, como ondas que se arrebentam contra as pedras da minha mente entorpecida. E é por isso que eu preciso de você. Eu vi a sua alma, Al-Amin, e ela é como a minha.

Antonius finalmente se recostou na poltrona. Al-Amin sentiu-se como se um peso fosse retirado de seus ombros.

- Meu Sangue fala comigo. Meus irmãos se movem, nas sombras. Sinto-os. A responsabilidade deles no que virá é inegável. Se eu não estiver presente, Istambul cairá. Você está comigo?
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Ter Abr 10, 2018 9:06 pm
Aos poucos, Al-Amin foi recuperando sua capacidade de raciocínio, conforme escutava Antonius falando pela voz de Ballestra. A situação ainda o impressionava, mas o fato de perceber que o Matusalém encontrava-se com algumas limitações fazia com que Al-Amin conseguisse pensar mais estrategicamente. Aparentemente, Antonius não conseguia acessar as memórias do seu hospedeiro. Havia uma margem de manobra, ainda que muito pequena. E perigosíssima.

Al-Amin recordou-se das primeiras horas da noite passada, quando Carlo Ballestra foi a sua casa. Naquela ocasião, pensou que ter o Ventrue em sua casa o colocava em um perigoso jogo de xadrez. Agora, sabendo que não era apenas Ballestra que estivera diante dele, mas o poderoso Antonius, o jogo tornava-se ainda mais mortal. Também se lembrou das misteriosas palavras de Ibn-Sayad, dizendo-lhe sobre o modo como deveria assumir suas posições nos conflitos que se desenhavam, além de apontar coisas que os astros vinham dizendo...

Seja firme, mas não inflexível. Tempo chegará em que as ações de Filhos iguais a você definirá o sucesso ou o fracasso de uma empreitada. Tenha cuidado com as novas ideias e ouça atentamente os mais velhos.

A verdade é que, neste exato momento, Antonius havia colocado-o em uma posição de xeque-mate. O Assamita sempre valorizou a aparente neutralidade que mantinha diante da corte Cainita de Istambul. Era ela que permitia uma navegação suave e o deixava em vantagem para agir em prol do seu clã. Antonius exigia algo diferente...

Só havia uma coisa a se fazer, ao menos por enquanto, Al-Amin sabia que, quando se está em xeque-mate, o mais urgente é sair daquela posição.

- E como não poderia estar contigo, Antonius? Eu amo esta cidade. E se a história que nos contam é verdadeira, tu és o responsável por torná-la o que é hoje. Mais do que isso: tu permitistes que minha Família estabelecesse residência nessas terras.

Al-Amin olha nos olhos do Ancião. Iria fazer aquilo que sabe fazer melhor.

- Como posso ajudá-lo?
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Qua Abr 11, 2018 2:38 pm
Antonius sorriu diante da última frase de Al-Amin.

- Ensine-me, Al-Amin. É assim que você pode me ajudar. Eu vi o seu coração naquele sonho. Eu sei que você não sente outra coisa além de amor por Istambul. O seu julgamento será o meu julgamento. Me reservo, porém, a manter a minha opinião sobre a única cainita que reside aqui e que estava na Corte quando eu governava, ou seja, Vashtai.

O corpo de Ballestra parecia cansado. As veias saltadas eram quase a ponto de explodir.

- Eu não tenho muito tempo. Mas existe uma outra forma em que você pode me ajudar. É o seu Clã que protege o meu sepulcro. Talvez não o teu Clã efetivamente, pois creio que o homem que lançou tais sortilégios sequer habita Istambul nessas noites, mas a vontade e os encantamentos dos Assamitas. Nossa relação sempre foi muito produtiva, e um velho amigo se ofereceu para proteger meu corpo semidestruído. Mas, é hora de retornar. E só poderei fazê-lo com a anuência do teu Clã.

Ballestra piscou velozmente os olhos. As veias, percebeu Al-Amin, desinchavam. O olhar se tornou perdido, como se olhasse através do Assamita. Então, subitamente, perguntou.

- Onde estávamos, Al-Amin Bey?

Al-Amin ouviu essas palavras, mas foram os cânticos que entravam pela janela que tomaram os seus ouvidos. Era ora de orar. Percebeu, porém, em meio ao canto belíssimo a voz de Ibn-Sayad que sussurrava palavras em seus ouvidos.

"Sei o local onde a infecção se manifestou pela primeira vez no indivíduo. Sei também que ela foi feita para atingir de forma exclusiva os Ventrue."
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Qui Abr 12, 2018 12:57 am
Um momento de catatonia capturou Al-Amin. O impacto das palavras de Antonius, somado com a mensagem de Ibn-Sayad que chegaram em seus ouvidos junto com a beleza do chamado para as orações noturnas, suspenderam a consciência do Assamita por alguns breves segundos. Ele só voltou a si quando se deu conta que Carlo Ballestra, agora presente não só em corpo, estava a sua frente.

Al-Amin esboça um leve e singelo sorriso. Talvez um pouco falso ou complacente, mas certamente de compaixão. Pobre Ballestra. Nestas últimas noites, se afeiçoara ao Ventrue e agora se compadecia com o fardo que ele carregava sem saber. Deduzia agora que a por vezes cansada aparência de Ballestra era resultado de carregar, ainda que em breves momentos, a mente de um Matusalém.

- Falava-me com orgulho sobre sua linhagem, Ballestra Bey, até chegar ao nobre Antonius.

Ele volta a olhar para a peça de tapeçaria, quando se dá conta do vitae que derramara no chão. Ele aponta para o resultado do acidente e comenta.

- Peço desculpas pelo descuido. Me distraí enquanto conversávamos e derrubei a taça, com seu precioso conteúdo, em seu chão. Se for necessário, eu mesmo posso cuidar deste desastre! Consigo limpar o sangue de tapetes sem deixar nenhum vestígio.

Al-Amin se levanta da poltrona onde estava sentado e se aproxima da poça de sangue no chão. Sua tática era continuar falando para que Ballestra não se desse conta que alguns minutos haviam transcorrido sem que se lembrasse de nada. Não estava com disposição para responder perguntas sobre o ocorrido.

- Se pedires que um dos seus criados traga um pouco de vinagre e água fria, deixarei tudo como se fosse novo! - o Assamita continua falando, enquanto fitava o sangue, emendando outro assunto - Por obséquio, Ballestra Bey, perdoe-me a indelicadeza, mas assim que terminar de arrumar isso, terei que partir imediatamente. O dever me chama. Acabo de ser convocado por Ibn-Sayad...

Sua esperança era de que, sabendo que Carlo Ballestra era um homem de etiqueta, seria dispensado da tarefa de limpar a sujeira que fez. Assim poderia se despedir e seguir ao encontro de Ibn-Sayad.
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